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Em uma de minhas caminhadas solitárias por Paris, em 2017, procurei, inutilmente, a antiga Rue de la Vieille-Lanterne, próxima à Praça Châtelet, no atual 4º arrondissement. Resgatando uma triste narrativa, nessa ruela, em uma madrugada fria de 25 de janeiro de 1855, Gérard de Nerval, um dos grandes poetas e novelistas de língua francesa, suicidou-se por enforcamento. Seu cadáver foi encontrado preso a uma grade de uma parede. De dentro do bolso de seu casaco, foram retirados os últimos capítulos da novela Aurélia (ou O Sonho e A Vida), publicada postumamente no mesmo ano. Seu amigo e também poeta francês Théophile Gautier foi quem pagou seu enterro no Cemitério Père-Lachaise, em Paris.
Gérard de Nerval, para quem não sabe, é um pseudônimo de Gérard Labrunie, nascido em 1808 em uma família abastada. Era filho de um médico do exército napoleônico. Por isso, foi criado por um tio-avô nas dependências da propriedade da família em Mortefontaine, que fica, aproximadamente, a 50km de Paris. Em 1834, Nerval herda essa propriedade de seu pai e mais alguns milhares de francos. Ele viaja, então, pela França e pela Itália. Anos depois, visita a Alemanha na companhia de seu amigo Alexandre Dumas, um notório romancista francês à época. No final de sua vida, com pouco mais de 40 anos, fez uma viagem pelo Oriente, o que lhe causou profundas impressões e inspirou-lhe a escritura de um livro de narrativas de natureza mística.
Gérard de Nerval também era tradutor e um apaixonado por óperas. Aos 19 anos, traduziu o Fausto, de Goethe, para o Francês, adaptado por Berlioz em 1829, ópera divulgada sob o título de Oito cenas de Fausto. Colaborou com Alexandre Dumas em dois libretos de óperas, Piquillo e O Alquimista, e em outras produções literárias. Também assinou sozinho outros libretos.
Em tenra idade, dominava o Grego e o Latim, que aprendeu com seu pai. Muitos de seus textos, sejam poemas, contos ou peças teatrais, refletem sua formação em estudos clássicos. Nos 165 anos de morte, neste próximo final de semana de janeiro de 2020, gostaria de fazer uma singela homenagem a um visionário, que influenciou a produção textual de vários nomes da literatura universal.
Se a Psiquiatria e a saúde mental já tivessem evoluído no segundo quartel do século XIX, talvez, Nerval poderia ter sido salvo de suas crises psicóticas e de suas alucinações, quadro registrado nos internamentos aos quais fora submetido diversas vezes. Sorveu da loucura e enamorou-se da Morte, que o levou desta existência aos 46 anos. Abaixo, deixo um fragmento da novela Aurélia (dedicado a Alexandre Dumas), de 1855, retirado da publicação da Editora Iluminuras, de 1991.
VERSOS DOURADOS Céus! Tudo é sensível (Pitágoras)
Homem! livre pensador! serás o único que pensa
Neste mundo onde a vida cintila em cada ente?
De tuas forças tua liberdade dispõe naturalmente,
Mas teus conselhos todos o universo dispensa.
Neste mundo onde a vida cintila em cada ente?
De tuas forças tua liberdade dispõe naturalmente,
Mas teus conselhos todos o universo dispensa.
Honra na fera o espírito que fermenta…
Cada flor é uma alma em Natura nascente;
Um mistério de amor no metal reside dormente;
“Tudo é sensível!” E poderoso em teu ser se apresenta.
Cada flor é uma alma em Natura nascente;
Um mistério de amor no metal reside dormente;
“Tudo é sensível!” E poderoso em teu ser se apresenta.
Receia, no muro cego, um olhar curioso:
À própria matéria encontra-se um verbo unido…
Não te sirvas dela para qualquer fim impiedoso!
À própria matéria encontra-se um verbo unido…
Não te sirvas dela para qualquer fim impiedoso!
Quase sempre no ser obscuro mora um Deus escondido.
E, como um olho novo coberto por suas pálpebras,
Um espírito puro medra sob a crosta das pedras!
E, como um olho novo coberto por suas pálpebras,
Um espírito puro medra sob a crosta das pedras!
VERS DORÉS
Eh quoi! tout est sensible! (Pythagore)
Eh quoi! tout est sensible! (Pythagore)
Homme, libre penseur ! te crois-tu seul pensant
Dans ce monde où la vie éclate en toute chose?
Des forces que tu tiens ta liberté dispose,
Mais de tous tes conseils l’univers est absent.
Dans ce monde où la vie éclate en toute chose?
Des forces que tu tiens ta liberté dispose,
Mais de tous tes conseils l’univers est absent.
Respecte dans la bête un esprit agissant:
Chaque fleur est une âme à la Nature éclose;
Un mystère d’amour dans le métal repose;
« Tout est sensible ! » Et tout sur ton être est puissant.
Chaque fleur est une âme à la Nature éclose;
Un mystère d’amour dans le métal repose;
« Tout est sensible ! » Et tout sur ton être est puissant.
Crains, dans le mur aveugle, un regard qui t’épie:
À la matière même un verbe est attaché…
Ne la fais pas servir à quelque usage impie!
À la matière même un verbe est attaché…
Ne la fais pas servir à quelque usage impie!
Souvent dans l’être obscur habite un Dieu caché;
Et comme un œil naissant couvert par ses paupières,
Un pur esprit s’accroît sous l’écorce des pierres!
Et comme un œil naissant couvert par ses paupières,
Un pur esprit s’accroît sous l’écorce des pierres!
Tradução de Luís Augusto Contador Borges