Quando Ana Cristina César jogou-se do oitavo andar do apartamento de seus pais em Copacabana, aos 31 anos, em meio a um grave quadro de depressão profunda, eu ainda era uma menina de 22 anos, estudando na Universidade, amando, engendrando-me como leitora voraz de Poesia, das mulheres de peso como Florbela, Emily, Sylvia, Catherine, Cecília e Ana.
Vi a notícia em um telejornal e fiquei muito afetada. Em 29 de outubro de 2023, a comunidade poética brasileira vai resgatar, com amor, a pessoa da Ana - e aquilo que ela fazia com maestria.
Segue abaixo um poema dela, do volume de "A teus pés" (1982), como forma de celebrar a existência dessa escritora, que amava viajar:
Estive em Curitiba, novamente, neste mês de setembro de 2023. As temperaturas estavam acima dos 30 graus C, um calor estranho, fora de época, para uma capital que possui microclimas e está a mil metros de altitude.
Fico imaginando o escritor curitibano Dalton Trevisan, um flâneur idoso e geminiano arisco de 98 anos, recluso em seu novo apartamento no Centro de Curitiba, com um split ligado a todo o vapor... Caminho pelas ruas de Curitiba atenta, louca para reconhecer algum escritor ou tradutor escondidos debaixo de um boné e de um óculos-de-sol. Hoje, ele vive como um ermitão, mas já foi muito ativo no teatro curitibano, além de cinéfilo amador. Quando viajava ao RJ para acertar detalhes com seu editor José Olympio, tecia muitas horas de conversas com outros dois escritores famosos, Rubem Braga e Otto Lara Rezende. Trocava epístolas com o último e chegou a doar mais de 500 cartas para o arquivo do Instituto Moreira Salles.
Visitei a livraria e editora Arte e Letra. Conheço-a desde 2007. Tive o privilégio de encontrar ali seu proprietário, o escritor Thiago Tizzot, que possui no catálogo da editora quatro títulos no gênero fantasia. Contou-me Thiago que relançará em outubro, em edição artesanal, um livro de Dalton Trevisan intitulado "Sonata ao luar" (1945). Nunca tinha ouvido falar desse livro de contos, parece que um tanto renegado pelo autor.
Li o autor lá no final dos anos 80, na época de meu mestrado em Literatura Brasileira. Comecei pelo clássico "O vampiro de Curitiba", de 1965. Hoje, tenho no Kindle o e-book "O beijo na nuca", livro de contos que encerrou a carreira literária de Trevisan, em 2014.
Curitiba é terra literária de escritores saudosos como Paulo Leminski e Wilson Bueno. Seguem por lá ou lá viveram um tempo Alice Ruiz e Cristovão Tezza, os tradutores Caetano Galindo, Adriano Scandolara, Rodrigo Garcia Lopes, Guilherme Gontijo Flores, Giovana Madalosso, Luci Collin e Eduardo Ribeiro da Fonseca, nem todos curitibanos, quase todos poetas...
Dalton Trevisan é o maior baluarte literário vivo do Paraná, especialmente, de Curitiba. Foi agraciado com vários prêmios ainda em seu início de carreira, quando usava pseudônimos: Prêmio Jabuti (1959) e I Concurso Nacional de Contos do Estado do Paraná (1968). Mais tarde, já traduzido para vários idiomas e consagrado como contista, recebeu o Prêmio Camões, no valor de cem mil Euros, em 2012. No mesmo ano, foi laureado pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio Machado de Assis.
A seguir, deixarei um pequeno trecho da fala de Nelsinho, o vampiro de Curitiba, herói gestado por Dalton Trevisan, que engendra a figura arquetípica de Dom Juan e que necessita de performances teatrais para retroalimentar sua virilidade (suspeita), em uma Curitiba de homens perversos no pós-golpe de 64 (quão atual esta leitura ressignificada permanece!):
(...) "Em despedida - oh, curvas, oh delícias - concede-me a mulherzinha que aí vai.
Em troca da última fêmea, pulo no braseiro - os pés em carne viva. Ai, vontade de morrer até. A boquinha pedindo beijo - beijo de virgem é mordida de bicho-cabeludo. Você grita vinte e quatro horas e desmaia feliz" (...) (1974, p. 15).
Recomendação:
Documentário "Daltonismo" (2006), de Célio Yano - Youtube
Há dias, venho pensando na efeméride dos 20 anos de falecimento do escritor chileno Roberto Bolaño, além do fato de que teria de retomar as escrituras deste blog. Na verdade, o dia 15 de julho de 2003 ficou na memória daqueles que amam a literatura hispânica, que apreciam a boa literatura em geral, pois perdemos um grande trabalhador da escrita. Nicanor Parra, matemático e grande poeta chileno, falecido somente em 2018, comentou, quando da perda de Bolaño, que ficaram "devendo um fígado ao escritor", por conta de uma doença hepática severa que o acometeu. Bolaño estava em uma lista para receber um transplante de fígado, o que não ocorreu a tempo, falecendo, precocemente, aos 50 anos.
A obra de Roberto Bolaño não é para qualquer leitor. Os textos são longos, elaborados e caudalosos! Iniciei de trás para frente a lê-los, ou seja, devorei o grande volume de "2666", publicado postumamente em 2004. Depois dele, só fui voltando na cronologia... A emoção que a leitura de "2666" causou-me foi semelhante ao assombro do livro "Graça Infinita", de 1996, de David Foster Wallace (tenho uma postagem sobre ele neste blog).
Estou a quase 90 dias de viajar novamente para o exterior. Irei à Islândia visitar minha filha; depois, passarei uns dias em Barcelona, Madrid, Andorra-a-Velha e Istambul. Quando eu estiver em Barcelona, pretendo pegar um trem e ir até a cidade litorânea de Blanes, província de Girona, cidade na qual Bolaño viveu desde os anos 80 até falecer.
Encontrei vários sites que tratam de um suposto "Circuito Bolaño" em Blanes. No site de turismo da Costa Brava, há uma "Ruta Bolaño". No final deste ano, de 2023, postarei fotos e impressões desse passeio literário.
Salve Bolaño! Que viva em nossos corações para sempre!