Fonte: Youtube
Em Porto Alegre, está em cartaz uma peça inspirada na obra de Goethe, "Os sofrimentos do jovem Werther". São comemorados os 250 anos da publicação dessa obra em 2024. A USP realizou um seminário no dia 06 de novembro passado, devidamente divulgado pela newsletter da ANPOF, e a Revista Contingentia, do setor de Alemão da UFRGS, publicou um número especial sobre o livro de Goethe no início deste ano. Não fiquei ciente de outro evento celebrando a efeméride...
O livro em questão, de 1774, relata, em forma de cartas e em tom confessional, a paixão não correspondida do jovem Werther, que se suicida ao final. Na vida real, Goethe apaixonou-se, perdidamente, por Charlotte Buff, já comprometida, que se casou logo em seguida com Christian Kestner. Com ele, teve sete gestações, mas apenas três vingaram. O livro narra um amor arrebatador e impossível, o que tornou Goethe muito popular e encarado como um grande best seller na época. Conheço mais de dez traduções dessa obra, mas existem mais de 20 para o Português no Brasil. Tenho a tradução de Erlon José Paschoal, que foi lançada pela Estação Liberdade, em 1999.
Tornei-me tradutora do Alemão em 2016, quando lancei a primeira tradução bilíngue. De lá para cá, foram três livros de traduções de A. Schopenhauer publicados. Saí da universidade em 2017 e fui morar na Itália para obter a minha cidadania, não sem problemas, dificuldades no inverno e maus-tratos sofridos no serviço público italiano. Superado o passado, cá estou hoje, nostálgica, relembrando minhas viagens à procura de Goethe e revendo algumas fotos. A cada viagem, uma inspiração. Em 2015, inverno europeu, fui à Sicília e a Malta: 'Ao Encontro de Caravaggio'. Nesse ano, eu estava estudando, como autodidata, a pintura do mestre italiano. Nessa viagem, chegando em Palermo, conheci um motorista siciliano, que fazia traslados e servia de guia. Paguei-o para passear comigo por três dias inteiros. Até hoje somos amigos e pretendo retornar à Sicília em 2025, dez anos depois de conhecê-lo.
Na ocasião, Camillo Guarneri levou-me a locais preciosos na antiga Palermo e em igrejas e templos emblemáticos no entorno da capital siciliana. Foram dias de erudição, eu diria, de parte de alguém modesto. A tela "Natividade com São Francisco e São Lourenço", de Caravaggio, avaliada em 20 milhões de dólares, que estava em uma igreja de Palermo, foi furtada pela Máfia em 1969. Camillo comentou-me toda a 'novela' ouvida de familiares. Não encontrei Caravaggio em Palermo; no entanto, aproximei-me de Goethe pelos olhos e narrativas de meu amigo.
Foi ele quem me mostrou onde Goethe teria se hospedado na capital siciliana, por onde teria passado, montado em um burrico. Fiquei pasmada com as estórias que ele me relatou e somente no ano subsequente, 2016, li "Viagem à Itália", de Goethe, publicada entre 1813 e 1817. Daí, apoderei-me de uma série de informações sobre a trajetória de Goethe na Itália e na Sicília, "a rainha das ilhas", como o alemão a chamava. Na Sicília, Goethe terminou de escrever a peça "Torcato Tasso".
Conferi telas de Caravaggio em Siracusa e em La Valetta, Malta, mas voltei dessa viagem hiperfocada no trajeto que Goethe havia realizado na Itália, chegando em Roma, descendo a Nápoles, visitando os templos greco-romanos de Paestum, indo de barco até a Sicília e viajando pelo interior da ilha em um burrico.
Tenho duas gravuras das casas em que Goethe viveu em Weimar; fui ao Museu Goethe e ao Museu Schiller; visitei sua casa em sua cidade natal, Frankfurt, em 2011. O ponto alto desta busca pelos caminhos de Goethe foi visitar Roma, em uma outra viagem, em 2016, e conhecer a "Casa di Goethe", um palacete localizado na Via del Corso, 18, defronte à Piazza del Popolo, fácil de encontrá-la. É o único museu alemão fora da Alemanha. O patrimônio passou por várias mãos, abriu, fechou e reabriu restaurado como um museu. Ali Goethe teria vivido por 20 meses (foram dois anos viajando, de 1786 a 1788). Chegando lá, conheceu o pintor com quem já trocava epístolas há um bom tempo, Johann W. Tischbein. Em Roma, Goethe terminou a peça "Ifigênia na Táurida".
Na entrada da "Casa di Goethe", no salão principal, encontra-se a tela que Tischbein pintou de escritor, usando um enorme chapéu e uma capa. No site do museu, aparecem os detalhes das instalações e da tela.
Como Goethe saíra escondido da Alemanha, sem comunicar a ninguém que iria para a Itália, pois deixara para trás suas obrigações administrativas como conselheiro e ministro no ducado de Weimar, viajou com um nome falso: Johan Philipp Möller. Na volta, em 1788, Charlotte não se dirigiu mais a ele. Em 1806, Goethe casou-se com Christiane Vulpius e teve um único filho, que, ao falecer, foi enterrado na 'cidade eterna', a pedido do pai.
Fui a Paestum (ou Pesto) também, na Campânia. Saí de Nápoles de trem em uma segunda-feira de manhã e fiz um percurso de mais de duas horas. Parei na Estação de Paestum, em pleno inverno, sem câmera fotográfica (fui furtada em Nápoles e levaram o meu celular. Não tenho registros fotográficos dessa viagem, lamentavelmente). Não havia uma viva alma por perto. Fiquei com um certo receio, mas saí caminhando em direção à entrada do parque arqueológico, famoso pelas ruínas de templos greco-romanos imortalizados por Goethe no livro "Viagem à Itália" e pelos desenhos feitos por Tischbein.
Foi uma grande emoção vislumbrar ao vivo o que eu já havia memorizado na imaginação, através dos desenhos. Havia mais cinco turistas caminhando pela área. Fiquei menos de 60 minutos no parque. Estava muito frio e eu queria retornar a Nápoles antes do anoitecer.
Foram várias viagens para dar conta do que eu planejara. Viajar é sempre maravilhoso e memorável, além do conhecimento e cultura agregados. Há quem não suporte, como Nelson Rodrigues, que dizia que "viajar é a mais empobrecedora e burra das experiências humanas"!