Meu comentário pode parecer anacrônico, uma vez que Natalie Portman foi laureada com um Oscar de Melhor Atriz lá no longínquo mês de fevereiro deste ano. O longa entrou em cartaz, saiu e eu o perdi em Porto Alegre, por privilegiar outros. Mesmo assim, por necessidade de organizar algumas ideias e impressões sobre o filme, a que assisti ontem à noite - e considerando que não pude contar com observações de outrem -, vai aí o meu texto.
O filme de Darren Aronfsky é intenso e tem um ritmo de deixar qualquer um angustiado (já o conhecia de "Py" e do mais recente, porém menos apreciado por mim, "O lutador"). Fiquei assim ontem e comentei passagens mais do que deveria, confesso! Só não roí minhas unhas porque estão muito bem-aparadas e esmaltadas (garantia de não roê-las!). Fiquei emaranhada com o filme já na cena inicial: Natalie Portman solando.
Mais adiante, percebi Barbara Hershey (totalmente repuxada! Parece o Mickey Rourke de saias), que nunca mais a tinha visto no cinema, no papel de mãe da bailarina perturbada emocionalmente. Eu lembro-me dela no longa "Shy People", pelo qual ela foi agraciada com um prêmio de Melhor Atriz em Cannes, no final da década de 80.
Voltando à narrativa, esse é o tipo de filme que evoca uma questão antiga tão discutida na área das Artes e das Letras, que é quando o autor/artista encarna a própria obra.
Mais do que ficar discutindo se ela é psicótica, se se autoflagela ou quais são os limites de realidade e não-realidade da personagem, o que ocorre quando um artista torna-se a própria obra de arte? Pensei em Van Gogh, Artaud, Paul Celan, von Kleist. Todos viveram pela sua Arte, a inocularam e, por Ela, abandonaram a vida.
O filme é um autêntico exemplar do "abyssus abyssum invocat", do abismo que invoca o próprio abismo, porque a personagem se autossupera, ao final, após fortes cenas entrópicas, e com isso dissolui-se. Hegel estuda o fenômeno do gênio, em seus 'Cursos de Estética', e afirma que a arte que atinge a perfeição e o ideal, se autodissolve, referindo-se, especificamente, à poesia.
A 'arte como saída da própria arte', eis o adágio parafraseado de Hegel por Darren Aronfsky.
Quem viu, que o comente comigo. Quem não viu, busque-o em DVD nas locadoras.
Aguardo comentários. Abraços!
PS. No próximo texto, comentarei o volume recém-publicado de poemas de Heine, em edição bilíngue, com tradução de André Vallias.
De Aronofsky assisti a quatro filmes: Pi (1998), que foi um excelente anúncio de carreira, Requiem para um sonho (2000), um segundo momento igualmente ótimo, A fonte da vida (2006), o qual não assisti inteiro, porque não gostei, e O lutador (2008), que não é um filme ruim mas também não é um filme excelente. O mais recente, O cisne negro (2011), ainda não vi, mas fiquei com vontade depois de tanta gente comentar positiva ou negativamente o longa.
ResponderExcluirAbismo que invoca o próprio abismo? Um artista que torna-se a própria obra de arte e, assim, dilui a si mesmo, como, por exemplo, Van Gogh? Interessante. Preciso ver isso. Não pude deixar de lembrar dois grandes compositores. O primeiro, Beethoven, disse, ou pode ter dito, que foi porque dissolvido pela música, e não pelo desespero, que não cometeu suicídio depois que se descobriu desprovido de audição, sentido que uma vez considerou fundamental para um compositor. O segundo, Chopin, completamente engolido pela melancolia de ter-se existencial e amorosamente vazio, disse que só o piano podia ouvir - e exorcizar - suas confissões. Ambos literalmente "se deixaram" para a música, e a música falou ao mundo que esses dois homens tinham se tornado... música. Nesses casos, me parece, o abismo tornou-se não queda, mas imensidão ascensional. Bonito isso, porque, na imensidão, seus sujeitos foram diluídos. A única coisa distinguível foram as muitas notas musicais que eles deixaram para o sempre - sem talvez saberem disso.
Isso que comentaste nada mais é que a tese de Schopenhauer sobre a fruição estética, processo através do qual o sujeito deixa de ser um sujeito não mais submetido ao 'principium individuationis', e passa a ser um sujeito puro do conhecimento fundido com o seu objeto puro do conhecimento. Obviamente, que esse estado para Schopenhauer era algo inefável e elevado, portanto, não uma "queda", como destacaste. Só os gênios permaneceriam a maior parte de sua existência nessa fruição estética.Obrigada por teres comentado de modo inteligente, como sempre. Grande abraço!
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