O filme iraniano de Asghar Farhadi, que levou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e o Urso de Ouro no Berlinale de 2011, pode levar os diletantes a imaginarem um longa sobre as minúcias de uma separação, no espectro da cultura persa. Nada disso! Através do longa, temos os dilemas que o Corão impõe a uma sociedade, marcada pelo espelhamento da vida consumista do Ocidente, das TVs por assinatura e da alienação diante da questão nuclear, simplesmente porque os cidadãos que têm posses não assistem às TVS estatais.
Pouco encontrei de densidade psicológica na construção do papel da esposa da trama, meio inócua, que quer ir embora do Irã, obtém seu visto, mas o marido nega-se a partir com ela por conta de ter um pai com Alzheimer, sob sua tutela, em estágio avançado. Assim, o fato de ela desejar sair do país determina o pedido de divórcio, ao qual o marido é refratário, mas não quer, ao mesmo tempo, impedi-la de viajar. A esposa vai embora do apartamento do casal e segue para a casa de seus pais; no entanto, a filha (Sarina Farhadi, filha do próprio diretor e talentosa iniciante), permanece junto ao pai e testemunha uma fatalidade que ocorre na vida familiar.
A rigor, o estopim da trama é o fato de que o marido contrata uma mulher de meia idade para ser a cuidadora de seu pai doente, mas as leis do Corão não permitem que ela o veja nu e, mais ainda, que trabalhe no apartamento de patrões, em cujo lar a esposa não está presente.
Colocadas essas duas questões, o filme trata muito mais de impasses de ordem religiosa e moral, dinamizando um enfrentamento ético de um marido/uma esposa, separados por diferenças e conflitos pessoais, além de uma posição unívoca, visivelmente contra os excessos da Revolução Islâmica.
De outro lado, um outro casal, o da 'cuidadora', que fora acusada de manter o senhor doente amarrado pelo pulso em sua cama, por conta de uma saída do apartamento em caráter de emergência.
O fato de a 'cuidadora' estar grávida e seu marido não estar ciente de que trabalha no apartamento do casal separado gera um problema moral entre o mesmo, além de desencadear o episódio da perda do bebê, inicialmente alegada como resultado de um empurrão do patrão/pai do senhor doente, ao descobrir o episódio do cativeiro. No desenlace da trama, descobre-se que a 'cuidadora' mentiu, ao afirmar na Justiça que perdeu o bebê na queda da escada. O bebê já não se mexia mais, quando ocorreu o incidente. Na verdade, com a iminência de um valor monetário que poderia livrar o marido da 'cuidadora' de credores, ela manteve sua versão.
Diante do Corão, jamais uma mulher devota mentiria frente a familiares e credores. Portanto, a farsa se desfaz e o filme termina em suspense, sem resolução, quando a filha do casal separado é convocada pelo Juiz da Vara da Família a revelar com quem gostaria de viver: pai ou mãe.
A menina fora três vezes coagida a falar o que o pai desejava; portanto, a filha sofre um mesmo tipo de coação, que as mulheres sofrem na cultura islâmica, desde sempre.
Assistam e comentem!
Pouco encontrei de densidade psicológica na construção do papel da esposa da trama, meio inócua, que quer ir embora do Irã, obtém seu visto, mas o marido nega-se a partir com ela por conta de ter um pai com Alzheimer, sob sua tutela, em estágio avançado. Assim, o fato de ela desejar sair do país determina o pedido de divórcio, ao qual o marido é refratário, mas não quer, ao mesmo tempo, impedi-la de viajar. A esposa vai embora do apartamento do casal e segue para a casa de seus pais; no entanto, a filha (Sarina Farhadi, filha do próprio diretor e talentosa iniciante), permanece junto ao pai e testemunha uma fatalidade que ocorre na vida familiar.
A rigor, o estopim da trama é o fato de que o marido contrata uma mulher de meia idade para ser a cuidadora de seu pai doente, mas as leis do Corão não permitem que ela o veja nu e, mais ainda, que trabalhe no apartamento de patrões, em cujo lar a esposa não está presente.
Colocadas essas duas questões, o filme trata muito mais de impasses de ordem religiosa e moral, dinamizando um enfrentamento ético de um marido/uma esposa, separados por diferenças e conflitos pessoais, além de uma posição unívoca, visivelmente contra os excessos da Revolução Islâmica.
De outro lado, um outro casal, o da 'cuidadora', que fora acusada de manter o senhor doente amarrado pelo pulso em sua cama, por conta de uma saída do apartamento em caráter de emergência.
O fato de a 'cuidadora' estar grávida e seu marido não estar ciente de que trabalha no apartamento do casal separado gera um problema moral entre o mesmo, além de desencadear o episódio da perda do bebê, inicialmente alegada como resultado de um empurrão do patrão/pai do senhor doente, ao descobrir o episódio do cativeiro. No desenlace da trama, descobre-se que a 'cuidadora' mentiu, ao afirmar na Justiça que perdeu o bebê na queda da escada. O bebê já não se mexia mais, quando ocorreu o incidente. Na verdade, com a iminência de um valor monetário que poderia livrar o marido da 'cuidadora' de credores, ela manteve sua versão.
Diante do Corão, jamais uma mulher devota mentiria frente a familiares e credores. Portanto, a farsa se desfaz e o filme termina em suspense, sem resolução, quando a filha do casal separado é convocada pelo Juiz da Vara da Família a revelar com quem gostaria de viver: pai ou mãe.
A menina fora três vezes coagida a falar o que o pai desejava; portanto, a filha sofre um mesmo tipo de coação, que as mulheres sofrem na cultura islâmica, desde sempre.
Assistam e comentem!
Oi, Rô. Li vários comentários sobre o longa, quase sempre enfatizando o ritmo e a tensão. Teu comentário, por outro lado, aborda também as personagens, em seus dramas ou situações de (con)vivência. Esse é um dos grandes temas da estética cinematográfica iraniana. Para mim, qualquer filme de um cineasta do Irã é indispensável. Vou assisti-lo assim que puder, até porque traz uma forma de abordagem diferente de outros olhares cinematográficos daquele país, como os de Kiarostami, Panahi, Makhmalbaf, Foruzesh, Majidi, etc. (Não há muitos nomes, ou há poucos que chegam a nós, porque o Sr. Ahmadinejad... deixa pra lá).
ResponderExcluirFarhadi compôs o júri oficial do Festival de Berlim deste ano (recém encerrado). Venceu o Urso de Ouro "Cesare deve morire", dos irmãos Taviani, um filme de premissa espetacular que não podemos deixar de ver. Os irmãos Taviani, a propósito, estão com 83 (Paolo) e 85 (Vittorio) anos. Duas lendas do cinema recebendo, imagino que com absoluta justiça, um dos grandes prêmios do cinema mundial.
Abração, Rô.
Hoje, vou me encontrar com o Josmar à noite, que chegará de Paris à tarde. Ele ficará hospedado em Copacabana. Vais ser um encontro intenso, porque ele acompanhou todo o Berlinale neste ano e pela primeira vez. O Fernando, vai fazer uma longa entrevista com ele, em sua volta a Santa Cruz. Bem, já assisti a quatro longas que ganharam o Globo de Ouro e concorrem ao Oscar. O Goya foi para um thriller sobre a corrupção na Espanha. O "El piel que habito" levou quatro trofeus, incluindo a de melhor atriz. A entrega no Cesar é na sexta, em Paris. Vamos ver no que vai dar.
ResponderExcluirSobre os irmãos Taviani, sim, acompanho seu cinema desde a década de 80, quando havia um extraordinário número de mostras em POA.
O que me deixou surpresa no Berlinale é que, quando estávamos lá, no ano passado, houve um movimento para tirar o tal do Dieter Kosslick, diretor do festival, mas o que cara vingou. Parece que ficará até 2016.
Um abraço carinhoso para vocês e, na próxima semana, vamos agendar algo.
Ops, mas o "cara vingou"...
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