Fui
assistir com amigos, no sábado à noite, ao filme “Xingu”, de Cao Hamburger, há
duas semanas em cartaz no circuito de
Porto Alegre. Meu amigo Fernando Oliveira, da reportagem do Diário Regional, de Santa Cruz do Sul, já o
havia assistido na sexta à noite, embora com problemas na projeção. Ele o
adjetivou de “pujante”!
Eu, de 'pungente', no sentido de crepúsculo, de declínio da população indígena no país. O longa tem uma poética própria, forjada pela bela
fotografia associada a uma trilha sonora de sons rítmicos, que cortejam o
expectador e o elevam a uma condição especial de quem está a processar uma
verdadeira fruição estética. Esse longa fez sucesso no Festival de Cinema de
Berlim, o Berlinale, neste ano, entre os frequentadores.
Além
de desvelar todo o processo de enfrentamento de uma área desconhecida e nunca
explorada pelo homem branco, o longa de Cao Hamburger, conhecido entre nós pela
série televisiva “Castelo Rá-tim-bum” e por outro filme, “O ano em que meus pais saíram de férias”, de
2006, disseca os bastidores do poder no Brasil, no período pré-ditadura e em
seus anos duros a partir do golpe militar. Ainda assim, em 1961, há exatos 51
anos, o Parque Nacional do Xingu foi concebido pelos irmãos sertanistas Orlando
e Cláudio Villas-Bôas, visando à preservação de uma área indígena em que dezenas
de nações vivem até hoje e compartilham seu legado. Todas as nações indígenas
constituem, hoje, menos de 10% da população, que já viveu em solo brasileiro!
Muito
mais que belas imagens, “Xingu” apresenta o conflito ideológico de seus
protagonistas contra um governo marcado por barganhas, sem falar no projeto
megalômano que foi a Transamazônica, na década de 70. Em que pese os problemas
e os infortúnios vividos pelos irmãos Villas-Bôas, sua atuação junto às
comunidades indígenas do Xingu foi reconhecida, internacionalmente, quando
indicados ao Prêmio Nobel da Paz.
Em
terra em que há caicangues passando fome
pelas ruas, talvez seja um “programa de índio” assistir a um belo filme como
esse, que nos obriga a todos a uma reflexão, considerando os últimos acontecimentos
escandalosos no Curso de Medicina da UFRGS, que tem discriminado os “cotistas”,
filhos dos mesmos caigangues, que também têm o direito universal ao conhecimento e à profissionalização.
As sessões ocorrem no Cine Santa Cruz às 19h10 e 21h10. Portanto, dá para curtir o chimas na praça ou o 'sertanojo' universitário no 'bobódromo' da cidade e, depois, prestigiar as salas de cinema que, muito mais que lazer, garantem cultura e produção de conhecimento!
Oi, Rô. Bom texto. Acho interessante o gosto do Cao Hamburger por narrar não diretamente a ditadura, em seus meandros políticos estritos, mas alguma coisa que se desenvolveu no contexto da ditatura. Em "o ano..." e agora neste "Xingu", fazendo essa travessia, ele conseguiu trabalhar realmente de maneira poética, em meio ao desagradável, ou melhor, ele conseguiu captar poesia enquanto em volta o país vivia um de seus mais amargos capítulos. Nesse sentido, entretanto, achei "O ano..." mais poderoso em termos de narrativa. Talvez porque as personagens, em sendo históricas, já têm narrativa conhecida, antes de surgirem na tela. Em "o ano..." apenas o contexto tinha narrativa, ou muitas narrativas, e ficávamos totalmente à disposição do narrador, por não conhecermos nada além de alguns tópicos políticos. Outra coisa: o "olhar do espectador", em "Xingu", é o olhar de um terceiro ou quarto membro da equipe quase que documentando as ações mais elementares. Raramente temos impressões, a não ser em situações dramáticas intimistas. Isso, a meu ver, aproxima o filme da estética "documentário". É outra coisa que senti um pouco de falta. Às vezes fiquei querendo um pouco de calor indígena nesse sentido. Até para aproveitar a excelente performance que eles tiveram em cena, colocando muito ator mixuruca por aí no chinelo.
ResponderExcluirComentei com a Ana que ainda acho "Fitzcarraldo", do Werner Herzog, um dos mais belos arranjos sobre os índios brasileiros. É isso aí, Rô. Grande abraço!