Terminadas as leituras do comentário crítico do artista plástico Jurandy Valença, para a "Dasartes" de abril sobre a exposição "Corpos Presentes", de Gormley, e do livro recentemente lançado pela Civilização Brasileira, "Poesia e Filosofia" de Antônio Cícero, inspirei-me para escrever um texto um pouco mais estético em relação ao que observei e senti na primeira retrospectiva em solo brasileiro do artista britânico, Antony Gormley, agraciado com o famoso prêmio Turner em 1994.
Ao contrário da fruição estética que tive no sábado em São Paulo, quando da visita à exposição de Giacometti, na Pinacoteca do Estado, o que me arrebatou, em relação à unidade da obra de Gormley, tanto as que vi em intervenções no solo e nos telhados de arranha-céus do Vale do Anhangabaú, foi a quantidade de corpos, em tamanho natural, em várias posições (sentados, dependurados por cabos de aço no átrio do Centro Cultural Banco do Brasil de SP, de joelhos, escorados na parede, etc.) a partir de modelos humanos nus, escaneados digitalmente pela equipe do artista, transformados em gesso e, após, em bronze. A força política de tais corpos justapostos atinge em cheio um observador mais atento e preparado, no contrafluxo de comentários gerais que ouvi nas ruas do centro de SP, de transeuntes, e de pessoas que visitavam a expo no CCBB: "para que tanta estátua assim?" ou "o que ele quer com tanta escultura amontoada?", etc.
Recuperando esse conceito de justaposição, compreendido por Jurandy Valença como "parataxis" (do grego, arranjo de elementos, justaposição de partes), penso que o conjunto de 60 corpos espalhados pelo prédio do CCBB, mais os 30 dispostos em prédios e solo do centro de SP, perfazem uma unidade, não uma mera justaposição. Mais ainda, a obra de Gormley parece-me em consonância com o que há de mais atual na Filosofia Contemporânea, nos segmentos da Ética e da Filosofia Política. A ideia de Apel e Habermas de comunidade intersubjetiva, constituída de sujeitos epistêmicos com igual autoridade e competência, compartilhando suas decisões consensuais sobre os critérios de validez que a sociedade lhes impõe, foi o que me acometeu quando da reflexão acerca da exposição.
Não obstante a certeza de que o "topos" de sua criação plástica é o corpo, que não opera como um suporte para a obra-de-arte, mas é o próprio lugar configurado, o sentido de "parataxis", em meu entender, não se associa ao conjunto da obra escultural, porquanto é apenas justaposição de partes.
Gormley certamente tenta resgatar o 'observador excluído', à deriva desde o predomínio da tradição cartesiana, e no anseio de fazer uma leitura mais complexa de sua produção estética pode-se afirmar que cada corpo, disposto em grupo ou em um nicho solitário, traz a inscrição do todo, da unidade da obra, em uma espécie de um orquestramento hologramático.
Em que pese sua linguagem formal profundamente matemática, regozijei-me com sua poética, uma vez que, na Filosofia Contemporânea, aludindo novamente a Habermas, o filósofo é aquele que não indica mais um lugar proeminente no Mundo da Vida, mas é o "guardador do lugar" por excelência, aqui referido ao lugar que o próprio homem ocupa: o Homem.
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