Lendo a maravilhosa fortuna crítica do inglês James Wood sobre a obra de Paul Auster (no blog do Instituto Moreira Salles), hoje, talvez, um dos maiores escritores norteamericanos (não concordo com alguns de meus amigos escritores/tradutores de Curitiba, que afirmam que o pole position é Thomas Pynchon!), deparei-me, depois de muitos anos, com a referência ao dicionário que Flaubert escreveu, com um humor irretocável, sobre as ideias "prontas" ou "feitas", que eram pedra-de-toque da sociedade burguesa do século XIX na qual viveu. Há várias traduções em língua Portuguesa. A mais atual que conheço saiu em 2007, pela Estação Liberdade, do RJ. O dicionário estava reservado para a segunda parte da obra inacabada intitulada Bouvard e Pécuchet. Lembrei-me deles, porque esses personagens tratam-se de escreventes ou copistas, que sonhavam em poder ter tempo e renda suficientes para dedicar-se à vida intelectual e ao conhecimento do próprio mundo - não às cópias de obras. É um sonho com o exercício não-mimético, porque a mímese escraviza deveras um professor! Um deles até recebe uma herança, em determinado momento da narrativa, não me recordo em decorrência de que, mas resolvem se mudar da cidade grande para o meio rural. Longe de mim pensar em mudar para o meio rural (eu morreria de inanição! Eu já sofro estando no interior do Estado!). Reportei-me a eles na medida em que também sonho em ler e estudar uma série de obras, que separei em julho, quando de minhas férias de inverno, mas, naturalmente, só pude ler apenas quatro textos, em uns poucos dias, porque tive de me ater às leituras para as disciplinas da universidade - com um olho na sala de aula. Todos os dias, olho para alguns livros, detidamente, que também me namoram! Olham-me de soslaio, caem no chão de modo inexplicável ou amontoam-se com minha agenda e meus esquemas de aula, que, confesso, tenho até receio de presenciar uma cópula, bem ao gosto do real maravilhoso! Preciso urgentemente de um ajudante, como Flaubert possuía, que possa organizar com humor e criatividade os meus escritos filosóficos e poéticos, sem pretensão alguma de publicá-los. Quem vai herdá-los é a minha filha, a Mirelle, já ela mesma, com seu nome afrancesado, um indicativo de meu Amor à literatura e ao cinema de língua francesa, que eu comecei a estudar com meus 14 anos. Segundo o próprio Flaubert, podemos brincar com os clichês - que abundam neste texto em sua homenagem -, mas devemos matá-los e enterrá-los depois. O convívio com os clichês exige perseverança, humildade e, sobretudo, tolerância. O que pode ser mais clichê que dar uma aula de Filosofia e tentar debater com os alunos algum tema relevante e atual, ancorado em um texto filosófico? Há uns meses atrás, comentando um episódio histórico em aula, perguntei à minha turma quem era de família de confissão luterana. Um de meus alunos, muito interessado na discussão, levantou a mão e perguntou-me "se minha pergunta tinha a ver com Luther King" (sic). Bem, engoli seco, respondi que não, não dei maiores explicações e continuei a minha aula. O problema foi a melancolia pós-aula que me acometeu! Esse caso não se enquadraria no dicionário de ideias "prontas" ou "feitas" de Flaubert, mas eu poderia começar a anotar as 'pérolas' que são brandidas em minhas aulas e, além de catalogá-las, contextualizá-las e comentá-las criticamente. Quem sabe tenha até um certo apelo comercial?
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