Comentei nos posts anteriores dois dos sete filmes a que assisti em Porto Alegre, de 7 a 11 de fevereiro ("Lincoln" e "Django"). Agora, vou comentar as minhas impressões do filme nacional a que fui conferir, "O som ao redor", do pernambucano Kleber Mendonça Filho, lembrando que não leio nada antes de assisti-lo/os; somente verifico os dados da ficha técnica dos filmes e de eventuais prêmios que os mesmos tenham recebido em mostras e festivais. Esse longa destacou-se como o melhor filme dos Festivais de Cinema de Gramado e do Rio, em 2012. Eu não sabia quem era o Kleber Mendonça Filho, até descobrir que esse era o seu primeiro longa. O roteiro de "O som ao redor" é do próprio diretor. Ao iniciar-se o filme, percebe-se, com magnitude, os sons e ruídos dos locais em primeiro plano. Não sei que tecnologia a equipe utilizou, mas é de impressionar o áudio e o cuidado na captação dos detalhes do entorno. Há uma espécie de uma 'dialética sonora': ora o foco é o topos do primeiro plano; ora é o entorno. Não é casuístico, mas faz parte do projeto estético da concepção do filme. Fora esse aspecto mais técnico, que dá força ao próprio título, a tipologia de personagens é, genuinamente, nordestina. Não conheço o Nordeste, apenas uma capital do Norte, embora eu já tenha viajado bastante para fora do Brasil. Não é propriamente negligência; é apenas falta de vontade de ir para o Nordeste, em função dos valores exorbitantes dos voos para lá e de sua rede hoteleira. O fato é que, não conhecendo o Nordeste, passei um bom tempo tentando identificar a cidade na qual a narrativa se ambientava. Embora eu soubesse que Mendonça Filho é pernambucano, sei lá, a cidade do filme poderia ser João Pessoa ou Fortaleza. Era o Recife, todavia, e parece que a zona mais abastada da capital, em função do nível dos condomínios, dos múltiplos empregados, dos carros que circulavam e da segurança local. São algumas histórias que se entrecruzam, que dão substância ao universo ficcional. O personagem mais velho e rico é dono de engenho, acredito que herdeiro de engenho. Sua família, filhos e netos, ainda vivem das lembranças da abastança de seu passado. Há uma cena em que o neto vai com uma nova namorada visitar o avô, que ora está na casa da fazenda, ora se encontra no bairro do Recife, em seu apartamento que mais parece um bunker. Nessa cena, o neto mostra uma ruína para a namorada, um prédio decadente de um antigo cinema, em um povoado. Um antigo povoado que possuía um cinema? A degradação do edifício é a representação da própria decadência de um tipo de economia, baseada na lavoura da cana de açúcar, que prosperou muito e gerou riqueza no Nordeste, aviltando o 'olho grande' dos estrangeiros, especialmente os holandeses. Com o ciclo do ouro nas Minas Gerais, a produção de açúcar começou a perder fôlego no mercado, sem falar na maquinaria toda que era importada e cara. A cana de açúcar, hoje, está mais direcionada à geração de combustível, não ao açúcar. Além dos sons incidentais, há uma personagem, mãe de família, que não consegue dormir por conta do cachorro do vizinho, que late e uiva todas as noites. O nível de estresse dessa mulher pode ser medido pelos baseados que ela fuma, não raras vezes, e os compra, inclusive, de um vendedor de bombas d'água fake. Na mesma rua, reside, em um elitizado condomínio, o tal senhor de engenho, dono de quase todos os imóveis ali naquela quadra. Na metade do filme, novos seguranças 'avulsos' aparecem do nada e passam a arregimentar os moradores, para que paguem um determinado valor para a manutenção da segurança permanente de todos. Eles montam uma espécie de QG em uma esquina e fazem a guarda, dia e noite, aos moldes de uma milícia. Eles têm a aparência de "jagunços", um perfil bem estereotipado que, certamente, fazia parte do imaginário do diretor. Não sei quem são os atores e atrizes. Nunca os vi atuar. De qualquer modo, são convincentes e engendram uma certa desconfiança no espectador mais atento. O final do longa é surpreendente! Vale a pena conferir mais um expoente do cinema nacional premiado no exterior e nas mostras de cinema nacionais. Fiquei admirada com o filme! O cinema brasileiro é, para mim, motivo de orgulho, sem querer ser piegas ou ufanista. Entretanto, é uma pequena parcela da população que lhe dá audiência e dela faz fervor!
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