Como não li nada sobre o último longa de Haneke, o "Amour", de 2012, para privilegiar as minhas observações e impressões estéticas, sem me influenciar por ninguém, coloquei o Piano Concerto n. 2 de Schubert para rememorar a atmosfera do filme, associada às minhas anotações, uma vez que a personagem de Emanuelle Riva, hoje com 85 anos, é uma professora de piano, que, ao longo da narrativa, apresenta um quadro de isquemia cerebral, subsequente paralisia em um dos lados do corpo e, depois, a clássica desorganização mental da pior doença degenerativa de que se tem notícias: o Alzheimer.
Tratada apenas por seu marido, inicialmente, personagem do também ator francês Jean-Louis Trintignant, do alto de seus mais de 80 anos, da metade do filme até o final, há uma, depois duas enfermeiras, revezando nos cuidados da esposa. Curiosamente, eu não imaginei que veria, em uma breve ponta, o famoso pianista francês Alexandre Tharaud na pele de um ex-aluno da professora de piano, em uma rápida visita a Paris e ao seu apartamento.
Há pouco tempo, li na revista 'Bravo', de dezembro de 2012, que Tharaud reuniu uma tropa de amigos músicos e gravou o álbum "Le Boeuf sur le Toit - Swinging Paris", um projeto seu de resgatar os famosos temas de foxtrote, que davam vida à cena cultural de Paris na década de 20. O pianista interpreta, de verdade, um tema no piano de cauda da professora, a pedido dela, a "Bagatelle, op. 126", de Beethoven. É possível encontrar várias interpretações no YouTube, para quem quiser conhecer. No decorrer do longa, ouve-se também dois dos "Impromptu", de Schubert, op. 90.
Dos filmes a que assisti de M. Haneke, além do incensado e premiado "A fita branca" ("The White Ribbon", 2009), uma fábula sobre o germe do nazismo, ele também dirigiu o "A professora de piano", de 2001, justamente com a estrondosa Isabelle Huppert, em um filme perturbador e over. Da mesma forma que Juliette Binoche já fez mais de um longa com Haneke, Isabelle Huppert volta a atuar nesse "Amour", como a filha do casal de idosos, que aparece várias vezes no apartamento, em crises de choro, decorrentes do estado débil de sua mãe.
Isabelle Huppert também deixou saudades, interpretando Madame Bovary, com o título homônimo sob a direção de Claude Chabrol, de 1991. Também a vi em um longa, com base em um sequestro real (comentei aqui no blog) nas Filipinas por parte de um grupo fundamentalista, em 2001. A direção é de Brillante Mendoza e o título é "Em nome de Deus" (2011).
Voltando ao "Amour", está mais que certo para mim que Haneke estudou Filosofia, da mesma forma que Terrence Malick. Ambos conhecem a obra de Heidegger profundamente, as ideias de finitude, de cuidado, de um eu-diante-da-morte. A personagem de Riva é profunda e excessiva, por conta da rápida evolução da doença. Ela precisa de atendimento em um hospital, mas pede ao marido que prometa a ela que não sairá mais do apartamento. Ele tenta, heroicamente, diante de todas as suas próprias limitações físicas cuidar dela. Ela recusa-se a ouvir o CD de Alexandre Tharaud, que o mesmo lhes envia de presente pelo correio. Ela recusa-se a comer...
No embate magistral entre os dois grandes atores e o modo como encaram a velhice e a morte iminente, várias pessoas saíram da sala de cinema na qual eu estava, no conjunto de salas de cinemas Itaú do Bourbon Country, em Porto Alegre. Esse crescendo de um filme europeu, com uma belíssima trilha, lento, construído basicamente a partir da atmosfera melancólica daquele casal, interrompida pela ajuda do zelador do prédio, da filha/marido e uma única vez por uma visita, o pianista francês, que já mencionei, deve gerar uma grande aflição em alguns espectadores.
Sempre minha atenção volta-se para a retirada de 'turistas de cinema'. Chamados pelo apelo dos prêmios, do diretor ou do elenco, até se dispõem a assistir a um anti-blockbuster, mas não têm cacife intelectual para suportar o ritmo, o andamento, a profundidade... Uma pena mesmo, falando como docente/educadora!
O amor resiste ou não resiste à putrefação cadavérica em vida? Por amor se suporta, por amor se antecipa a morte de alguém amado? Eis a questão que Haneke aborda, provocando seus restritos fruidores a uma reflexão e a um posicionamento. A Morte também passeia pela Arcádia e, como corolário, Amor e Morte também coabitam o mesmo templo!
Assistam a esse filme, amigos e leitores; além de precioso do ponto de vista estético e filosófico, ele é pedagógico!
Tratada apenas por seu marido, inicialmente, personagem do também ator francês Jean-Louis Trintignant, do alto de seus mais de 80 anos, da metade do filme até o final, há uma, depois duas enfermeiras, revezando nos cuidados da esposa. Curiosamente, eu não imaginei que veria, em uma breve ponta, o famoso pianista francês Alexandre Tharaud na pele de um ex-aluno da professora de piano, em uma rápida visita a Paris e ao seu apartamento.
Há pouco tempo, li na revista 'Bravo', de dezembro de 2012, que Tharaud reuniu uma tropa de amigos músicos e gravou o álbum "Le Boeuf sur le Toit - Swinging Paris", um projeto seu de resgatar os famosos temas de foxtrote, que davam vida à cena cultural de Paris na década de 20. O pianista interpreta, de verdade, um tema no piano de cauda da professora, a pedido dela, a "Bagatelle, op. 126", de Beethoven. É possível encontrar várias interpretações no YouTube, para quem quiser conhecer. No decorrer do longa, ouve-se também dois dos "Impromptu", de Schubert, op. 90.
Dos filmes a que assisti de M. Haneke, além do incensado e premiado "A fita branca" ("The White Ribbon", 2009), uma fábula sobre o germe do nazismo, ele também dirigiu o "A professora de piano", de 2001, justamente com a estrondosa Isabelle Huppert, em um filme perturbador e over. Da mesma forma que Juliette Binoche já fez mais de um longa com Haneke, Isabelle Huppert volta a atuar nesse "Amour", como a filha do casal de idosos, que aparece várias vezes no apartamento, em crises de choro, decorrentes do estado débil de sua mãe.
Isabelle Huppert também deixou saudades, interpretando Madame Bovary, com o título homônimo sob a direção de Claude Chabrol, de 1991. Também a vi em um longa, com base em um sequestro real (comentei aqui no blog) nas Filipinas por parte de um grupo fundamentalista, em 2001. A direção é de Brillante Mendoza e o título é "Em nome de Deus" (2011).
Voltando ao "Amour", está mais que certo para mim que Haneke estudou Filosofia, da mesma forma que Terrence Malick. Ambos conhecem a obra de Heidegger profundamente, as ideias de finitude, de cuidado, de um eu-diante-da-morte. A personagem de Riva é profunda e excessiva, por conta da rápida evolução da doença. Ela precisa de atendimento em um hospital, mas pede ao marido que prometa a ela que não sairá mais do apartamento. Ele tenta, heroicamente, diante de todas as suas próprias limitações físicas cuidar dela. Ela recusa-se a ouvir o CD de Alexandre Tharaud, que o mesmo lhes envia de presente pelo correio. Ela recusa-se a comer...
No embate magistral entre os dois grandes atores e o modo como encaram a velhice e a morte iminente, várias pessoas saíram da sala de cinema na qual eu estava, no conjunto de salas de cinemas Itaú do Bourbon Country, em Porto Alegre. Esse crescendo de um filme europeu, com uma belíssima trilha, lento, construído basicamente a partir da atmosfera melancólica daquele casal, interrompida pela ajuda do zelador do prédio, da filha/marido e uma única vez por uma visita, o pianista francês, que já mencionei, deve gerar uma grande aflição em alguns espectadores.
Sempre minha atenção volta-se para a retirada de 'turistas de cinema'. Chamados pelo apelo dos prêmios, do diretor ou do elenco, até se dispõem a assistir a um anti-blockbuster, mas não têm cacife intelectual para suportar o ritmo, o andamento, a profundidade... Uma pena mesmo, falando como docente/educadora!
O amor resiste ou não resiste à putrefação cadavérica em vida? Por amor se suporta, por amor se antecipa a morte de alguém amado? Eis a questão que Haneke aborda, provocando seus restritos fruidores a uma reflexão e a um posicionamento. A Morte também passeia pela Arcádia e, como corolário, Amor e Morte também coabitam o mesmo templo!
Assistam a esse filme, amigos e leitores; além de precioso do ponto de vista estético e filosófico, ele é pedagógico!
Vi dois clipes desse filme, produzidos para divulgação. Fiquei bastante impressionado. Está na minha lista de imperdíveis. Abraço, Rô!
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