domingo, 20 de janeiro de 2013

CINEMA EM PORTO ALEGRE: "ELEFANTE BRANCO", DE PABLO TRAPERO (PARTE FINAL)

Por fim, assisti com uma amiga ao longa espanhol/argentino de Pablo Trapero, "Elefante Branco" (2012). Além de Ricardo Darín, no papel de um padre progressista, vivendo junto à comunidade de Villa Virgen, em Buenos Aires, o próprio Trapero é um cineasta interessante, o que me atraiu para o filme. Já assisti de sua safra ao "Leonera" (2008) e ao "Abutres" (2010). O contundente longa de Trapero aborda a vivência de três padres, ligados à Diocese da capital portenha,  em uma das favelas mais periculosas da capital, em que há uma disputa entre dois grupos do narcotráfico. Percebe-se, no percurso da narrativa, a corrupção que assola os policiais, que entram na comunidade para buscas e enfrentamentos. Padre Julian é vivido por Darín, Padre Nicolás, um belga, por Jérémie Renier, e a assistente social da comunidade por Martina Guzmán. Inclusive há um envolvimento afetivo entre Nicolás e Luciana, o que faz com que o filme fique com um ritmo mais tenso. Conheci uma favela, apenas sua entrada, em 2008, quando fui a Estación de Autobus, no Retiro, e vi aquela imensa comunidade instalada defronte à entrada principal da mesma. Um antigo amigo que não vejo há anos, cientista político, falou-me desta favela, a Villa 31, e me contou sobre os bolivianos, que vêm para Buenos Aires à procura de melhores condições de trabalho e vida, e acabam ali, na 31. Há um milhão e meio de bolivianos em Buenos Aires e quatro cartéis na Cidade Autônoma de Buenos Aires. Os cartéis são comandados pelos dominicanos, paraguaios, peruanos e bolivianos. Fora de Buenos Aires, estão os mexicanos e os colombianos. A favela na qual as locações do filme ocorreram é chamada de Villa Virgen. Não consegui descobrir se Villa Virgen e Villa 31 são a mesma. A referência ao "elefante blanco" é por conta de um grande prédio branco, cuja construção está inacabada, na qual deveria funcionar um hospital para a comunidade. É aí nesta área pobre, de extremas desigualdades sociais e constante violência e morte que o longa se passa. Como a Argentina é produtora e exportadora de cocaína, além de importar a pasta base, não haveria como não encontrarmos o crime organizado e os 'comandos' nas favelas de Buenos Aires. Sobre o que acontece com os padres e seu envolvimento com as disputas internas, assistam ao filme. Valeu a atenção!

MAIS CINEMA EM PORTO ALEGRE: "A FILHA DO PAI", DE DANIEL AUTEUIL

(2ª parte)

Ainda no final de semana em Porto Alegre, assisti na companhia de amigos, especialmente a Rebeca e a Camila, ao longa francês "A filha do Pai", com direção do grande e carismático ator Daniel Auteuil, cujo roteiro foi adaptado do romance homônimo de Marcel Pagnol. Como eu havia assistido aos filmes em que ele atua, "A vingança de Manon" e "Jean de Florette",  ambos dirigidos por Claude Berri, quem foi conferir a estreia de Auteuil na direção já estava relativamente familiarizado com o leitmotiv da ficção de Pagnol. O pai da trama, um poceiro viúvo, trabalhando decente e duramente no Sul da França para manter cinco filhas, é vivido pelo próprio diretor. Sua filha mais velha, a personagem que desafia as severas convenções  sociais e morais da época, é a atriz e modelo catalã conhecida pelo quarto filme da série "Piratas do Caribe", Àstrid Bergès-Frisbey, e em filmes para a TV francesa que não chegaram até nós. Eu queria mesmo conferir a direção de Daniel Auteuil em sua estreia. Demorei para assisti-lo por incompatibilidade nos horários das sessões desse longa com os meus em Porto Alegre. A personagem Patricia Amoretti, filha do poceiro vivido por Auteuil, envolve-se com um rapaz da aldeia mais velho, rico e piloto da Aeronáutica francesa, à beira da eclosão da guerra. Considerei o envolvimento entre ambos muito rápido e logo a menina já aparece grávida em cena. É aí que os holofotes se desviam para o pai, menos para a filha que vive o drama de ser solteira, pobre, de estar grávida e de ser o arrimo da família. O pai é obsessivo pela autodeclaração permanente de que é pobre, porém honesto, de que é pobre, porém honrado, de que é pobre, porém um pai amoroso. Ele manda a filha embora para não servir de exemplo às quatro irmãs mais novas; a mesma vai viver com sua tia paterna, que já havia passado pela mesma situação quando jovem. Passados os noves meses e talvez mais uns três, o pai visita a filha na propriedade da irmã. Vê-se um lindo bebê em um cesto, batizado de André, e o avô, naquele momento, altera a sua conduta para com a filha e a sua posição sobre o caso. Leva-a de volta para sua casa, juntamente com o neto. Desde então, sofre assédio dos avós paternos do bebê, que estavam convictos de que seu filho, o pai da criança, havia morrido no front. O jogo antitético do bem e do mal, do pobre e do rico, do honrado e do desonrado fica mais forte nas falas das personagens, nesta terceira parte do longa. A avó paterna é interpretada pela grande atriz francesa, Sabine Azéma, esposa e antiga parceira dos projetos de Alain Resnais. A avó é a vilã da narrativa que sabota o contato de seu filho, quando vai para a guerra, com a menina pobre com a qual ele se envolveu. Tão-logo os pais recebem um comunicado oficial de que o filho militar havia morrido em combate, tentam se aproximar do neta, sob a custódia do poceiro. Em um dos encontros de aproximação entre as famílias, o piloto reaparece e pede a filha do poceiro em casamento, além de assumir de imediato o filho. O poceiro agradece por reaver a honra da família. Um belo filme, com uma história de amor idealizada, porém, a que se ter cuidado para não internalizar aqueles valores, daquela sociedade, daquele período histórico e social, como 'corretos'. Também interpretar o contexto do filme de modo anacrônico, à la interpretação whig, não vai nos ajudar a compreender melhor a trama.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

MAIS CINEMA EM PORTO ALEGRE: 'NO', DE PABLO LARRAIN; 'O IMPOSSÍVEL', DE JUAN BAYONA - 1ª PARTE

No final de semana que passou, estive em Porto Alegre para uma maratona de filmes. Não havia mostra de cinema, tampouco festival. Eu decidi não assistir aos longas em pré-estreia e conferir aqueles que já estavam há meses em cartaz e que eu havia perdido, por força de morar a duas horas da capital. O "No" era o primeiro de minha lista, uma vez que tive um grande amigo chileno no início dos Anos 80, em Porto Alegre, intercambista da UFRGS, que me contava os horrores que ocorriam em Santiago naqueles duros tempos. Ainda nessa época, um amigo de minha irmã, também chileno, que estudava em Porto Alegre, contou-nos os 'miúdos' sobre o atentado contra Pinochet (de parte do FPMR - Frente Patriótico Manuel Rodríguez), na estrada do Cajón del Maipo, a quase 50 km de Santiago, em setembro de 1986, que matou cinco pessoas ligadas à guarda pessoal do general e feriu outras. Estive por lá em 2004,  para fotografar o 'monumento aos mortos', erguido na localidade e conversar com os nativos da região. Nos dois primeiros filmes assistidos (o primeiro está em cartaz no Espaço NT de Porto Alegre), fiz uma dobradinha entre o de teor político, de 2012, o "No", de Pablo Larrain, e o segundo que considerei um dramalhão, baseado em uma história real, "O Impossível", de 2012 também, produção espanhola com direção de Juan Antonio Bayona. Vou comentar mais detidamente o filme franco-chileno "No", pelo episódio emblemático para a América do Sul que ele resgata, a não menos sangrenta ditadura militar de Pinochet. O "no", a que o título se refere, diz respeito ao plebiscito convocado em todo o país, por forte pressão internacional, em outubro de 1988. Um dos mentores da campanha pelo 'no', na TV, que teria de durar os mesmos 15 minutos, a que o partido que sustentava o Governo de Pinochet também tinha direito, é o ator mexicano Gael García Bernaz, cujo personagem vive as pressões, as tensões e as contradições do processo instaurado em todo o país pela manutenção ou não do governo militar, nos meses que antecederam o plebiscito. No filme, vê-se os homens da terrível DINA atuando, o equivalente ao DOI-CODI no Brasil, durante o regime militar. Dois anos após a campanha pelo 'no', que alcançou quase 56% entre a população chilena, finalmente, Pinochet entrega o cargo a seu sucessor. O filme inclui imagens de arquivo e vale a pena ser assistido pela história política do Chile e pelo tipo de mobilização que houve à época, que sensibilizou diversos segmentos da cultura e da arte, além da intelligentsia do país. 
O segundo longa, de produção espanhola, do diretor Bayona, é um dos filmes da safra que retrata o tsunami, que atingiu violentamente parte do litoral asiático em 26 de dezembro de 2004 (Tailânda, Maldivas, Malásia, Sri Lanka e, especialmente, a Indonésia), matando mais de 200 mil pessoas. O longa é inspirado em uma história real de uma família, que passaria as festas de final de ano em um resort à beira-mar em Khao Lak, uma das praias mais atingidas pela onda mortal, situada na província de Phang Nga, na Tailândia. A famosa praia de Koh Phi Phi teve 700 mortos, o maior número, no mesmo litoral, e até hoje a população nativa faz rituais para apaziguar os espíritos dessas vítimas. É isso! Se forem assisti-lo, levem um pacote de lenços de papel. Obrigada pela atenção, amigos e simpatizantes!

domingo, 6 de janeiro de 2013

"A HISTÓRIA DE PI", DE ANG LEE: 'APROPRIAÇÃO DESVIANTE'?

Tenho aqui em minha biblioteca "Max e os Felinos", de Moacyr Scliar, publicado pela LePM, de Porto Alegre, em 1981. Reli-o ontem à noite, em uma leitura dinâmica e rápida. Durante uns 20 anos, li muitos dos livros de Scliar, por quem eu tinha o maior respeito, uma vez que trabalhei como produtora cultural do saudoso Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, sediado no Bom Fim, na capital gaúcha. Por conta disso, tive muitas oportunidades de conversar um pouquinho com o escritor de origem judaica. Uma de suas obras, inclusive, quando de seu lançamento, me foi alcançada por ele com uma digna dedicatória, que guardo com carinho até hoje. Pois então, foi-se o nosso Scliar há quase um ano, sem que tivesse tido a oportunidade de assistir ao mais novo filme de Ang Lee, cujo roteiro foi baseado no livro do escritor canadense Yann Martel, agraciado em Londres com o Booker Prize, no início dos anos 90, logo após a tradução de "Max e os Felinos" ter aparecido no mercado editorial norteamericano, em 1990, com o título de "Max and the Cats". A acusação de plágio deve ter rodado o mundo, porque, na época, acompanhei pela ZH, Folha de SP, Revista Veja e não sei mais que veículos... Primeiro, considerei uma injúria à obra do Scliar. Imaginem se alguém tivesse plagiado o meu favorito "A estranha nação de Rafael Mendes"? Talvez, eu tivesse ficado indignada mesmo. O Scliar não ficou, não. Não entrou com uma ação judicial contra  Martel, concedendo, à época, várias entrevistas sobre o tema com tranquilidade. Ele era sábio e afeito às discussões da teoria da literatura e da crítica literária internacionais. Julgou ele que um processo desse teor seria complicado, arrastado e desgastante, uma vez que entendia que sua obra, por sua vez, já estava, irremediavelmente, implicada com uma tradição literário-religiosa. Ele foi elegante e não ameaçou a carreira de Martel. García Márquez plagiou Falkner ou não? E o que dizer dos argumentos das peças de Shakespeare? Essa é uma conversa escabrosa!
Comentando o filme de Ang Lee, então, em primeiro lugar, somente um homem de origem asiática poderia  ter criado uma imagética como a deste filme, "A história de Pi". O roteiro segue o leitmotiv da obra de Scliar. Sem mais comentários! Até imagino que a equipe de Efeitos Especiais seja constituída de bam-bam-bans norteamericanos, mas a concepção plástica não é de um ocidental. Em segundo lugar, eu teria medo de verter para o cinema, roteirizando uma obra que tenha sido acusada de plágio. Seria até perigoso! Recusei-me a ler o livro de Martel. Várias vezes pude folheá-lo e o considerava, segundo o jargão canônico de Harold Bloom em "Ansiedade da Influência", uma "apropriação desviante". Martel substituiu um menino judeu alemão por um hindu politeísta, que professava sua fé em Alah, Jesus e Krishna, ao mesmo tempo. Esse menino é o tal que sobrevive ao naufrágio na companhia inusitada de um jaguar (na obra de Scliar); um tigre-de-bengala, na obra de Martel e no filme de Ang Lee. Fui assistir ao filme, sem resistência, porque sou louca por cinema; não o tenho  como um grande diretor, mas ele foi capaz de dirigir uma das pequenas preciosidades, que lhe outorgou um Oscar:  "O segredo de Brokeback Mountain". Em nome da Beleza e da Poesia de seu filme premiado, fui assistir à sua última criação. Assisti-o em 3D, embora o desfrute desse efeito só sê dê, verdadeiramente, em minha modesta percepção, no preâmbulo do filme e nos momentos do naufrágio. Digamos que em um terço do longa. O filme é um arrojo importante para o cinema; transpõe para a linguagem cinematográfica o que seria intransponível e, além do mais, é uma narrativa epifânica, sem dúvida. Relevando o 'plágio' - que efetivamente está posto, para mim, e o teor profundamente religioso da versão, que eu comentaria em mais uma crônica, além do fato de que eu o intitularia de "Eu e o tigre", jamais com o título de Martel -, meus sentidos agradecem!

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