Tenho aqui em minha biblioteca "Max e os Felinos", de Moacyr Scliar, publicado pela LePM, de Porto Alegre, em 1981. Reli-o ontem à noite, em uma leitura dinâmica e rápida. Durante uns 20 anos, li muitos dos livros de Scliar, por quem eu tinha o maior respeito, uma vez que trabalhei como produtora cultural do saudoso Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, sediado no Bom Fim, na capital gaúcha. Por conta disso, tive muitas oportunidades de conversar um pouquinho com o escritor de origem judaica. Uma de suas obras, inclusive, quando de seu lançamento, me foi alcançada por ele com uma digna dedicatória, que guardo com carinho até hoje. Pois então, foi-se o nosso Scliar há quase um ano, sem que tivesse tido a oportunidade de assistir ao mais novo filme de Ang Lee, cujo roteiro foi baseado no livro do escritor canadense Yann Martel, agraciado em Londres com o Booker Prize, no início dos anos 90, logo após a tradução de "Max e os Felinos" ter aparecido no mercado editorial norteamericano, em 1990, com o título de "Max and the Cats". A acusação de plágio deve ter rodado o mundo, porque, na época, acompanhei pela ZH, Folha de SP, Revista Veja e não sei mais que veículos... Primeiro, considerei uma injúria à obra do Scliar. Imaginem se alguém tivesse plagiado o meu favorito "A estranha nação de Rafael Mendes"? Talvez, eu tivesse ficado indignada mesmo. O Scliar não ficou, não. Não entrou com uma ação judicial contra Martel, concedendo, à época, várias entrevistas sobre o tema com tranquilidade. Ele era sábio e afeito às discussões da teoria da literatura e da crítica literária internacionais. Julgou ele que um processo desse teor seria complicado, arrastado e desgastante, uma vez que entendia que sua obra, por sua vez, já estava, irremediavelmente, implicada com uma tradição literário-religiosa. Ele foi elegante e não ameaçou a carreira de Martel. García Márquez plagiou Falkner ou não? E o que dizer dos argumentos das peças de Shakespeare? Essa é uma conversa escabrosa!
Comentando o filme de Ang Lee, então, em primeiro lugar, somente um homem de origem asiática poderia ter criado uma imagética como a deste filme, "A história de Pi". O roteiro segue o leitmotiv da obra de Scliar. Sem mais comentários! Até imagino que a equipe de Efeitos Especiais seja constituída de bam-bam-bans norteamericanos, mas a concepção plástica não é de um ocidental. Em segundo lugar, eu teria medo de verter para o cinema, roteirizando uma obra que tenha sido acusada de plágio. Seria até perigoso! Recusei-me a ler o livro de Martel. Várias vezes pude folheá-lo e o considerava, segundo o jargão canônico de Harold Bloom em "Ansiedade da Influência", uma "apropriação desviante". Martel substituiu um menino judeu alemão por um hindu politeísta, que professava sua fé em Alah, Jesus e Krishna, ao mesmo tempo. Esse menino é o tal que sobrevive ao naufrágio na companhia inusitada de um jaguar (na obra de Scliar); um tigre-de-bengala, na obra de Martel e no filme de Ang Lee. Fui assistir ao filme, sem resistência, porque sou louca por cinema; não o tenho como um grande diretor, mas ele foi capaz de dirigir uma das pequenas preciosidades, que lhe outorgou um Oscar: "O segredo de Brokeback Mountain". Em nome da Beleza e da Poesia de seu filme premiado, fui assistir à sua última criação. Assisti-o em 3D, embora o desfrute desse efeito só sê dê, verdadeiramente, em minha modesta percepção, no preâmbulo do filme e nos momentos do naufrágio. Digamos que em um terço do longa. O filme é um arrojo importante para o cinema; transpõe para a linguagem cinematográfica o que seria intransponível e, além do mais, é uma narrativa epifânica, sem dúvida. Relevando o 'plágio' - que efetivamente está posto, para mim, e o teor profundamente religioso da versão, que eu comentaria em mais uma crônica, além do fato de que eu o intitularia de "Eu e o tigre", jamais com o título de Martel -, meus sentidos agradecem!
Até então nunca tinha ouvido falar da Vida de Pi, até que começaram a aparecer os primeiros trailers do filme que seria lançado baseado no livro. Comecei a ver todos falando até que descobri por vc que a obra se tratava de um plágio. Somente aí, confesso, é que tive curiosidade de ler a obra para tentar entender o pq dela ter virado um fenômeno e não o livro do Scliar.
ResponderExcluirQto a questão do plágio, sinceramente, hoje em dia, não sei se algo pode ser considerado plágio. A não ser que seja uma cópia literal. Não existe mais nenhuma obra, filme, etc, que possa ser considerado 100% original. Tudo que vemos por aí não deixa de ser uma cópia de algo, uma adaptação, uma compilação de outras coisas.
Como ex aí estão os fanfics, que são aplaudidos ao invés de vaiados ou acusados de plágio. Num mundo em que tudo já existe, impera a frase de que "nada se cria, tudo se copia".
A questão é saber avaliar a criatividade que cada um tem de fazer uma adaptação melhor ou pior de algo que já exista. E acho que é aí que alguns fazem sucesso e outros não.
Bom, qto ao filme, tb quero mto assisti-lo, mas talvez o veja só depois que ler o livro. Quem sabe?!
Bjs
Fui assistir também ao filme, Rô, e gostei muito. Li sobre o plágio, mas infelizmente ainda não Li "Max e os Felinos" nem tampouco o livro de Yann Martel. É lamentável que Scliar não tenha tido a oportunidade de assistir o filme. Visitarei mais regularmente seu blog.
ResponderExcluirTive a alegria de aprender contigo sobre esta história e assistir ao filme. O longa tem uma fotografia incrível, já fui ao cinema outras duas vezes e fico cada vez mais surpresa. Beijos, Rô! Aninha
ResponderExcluirOi Rô. Assisti a História de Pi (Life of Pi), e a primeira impressão é que o filme é o que o cinema deve ser, e que poucos filmes atuais conseguem: deslumbrante!
ResponderExcluirFalo isso, pois, poucos conseguem usar os recursos atuais para construir uma história e cenas com a fotografia tão linda quanto o Ang Lee fez nesse filme. Os recursos de 3D foram muito bem usados nas imagens da natureza e no tempo em que Pi passa no mar, além da ilha misteriosa. As imagens são exuberantes, e o filme é emocionante. Toda a família adorou.
Achei a atuação do indiano Suraj Sharma muito boa e convincente, dando credibilidade a trama.
Creio que o filme criou uma vida própria, que deve se separar da história do plágio.
Quando ao plágio, discordo da Mirelle, plágio é identificável, e passível de ações judiciais e punições, embora o processo seja como a Rô disse, laborioso.
Fanfic é como o nome diz, ficção de fãs, baseados em trabalhos já existentes, e declaradamente feito assim, assim como sites dedicados a avaliar e discutir obras literárias.
Mesmo assim, JK Rowlling entrou com processo, e ganhou, contra um site que continha uma descrição precisa de sua obra, com datas aproximadas de todos eventos da estória de Harry Potter, e diversos outros trabalhos. Este era um trabalho que cabia a ela publicar, e eles foram obrigados a fechar o site e indenizarem a autora.
Como vc diz Rô, mesmo sem ter lido Max e os Gatos, do Scliar (mas vou ler assim que acabar minhas leituras atuais), os elementos típicos da obra do Scliar estão presentes claramente, e dão ar de graça a história.
Acho que nem prestei muita atenção nos quesitos técnicos do filme ... os animais me fazem esquecer da fotografia, do enredo, dos diálogos ... só consegui pensar nos pobres bichinhos e achei o filme triste demais. Af!
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