Já estive em um show do Pearl Jam, no Gigantinho, em novembro de 2006, e já assisti a dois shows do U2 pela TV, ao vivo. Ambos os vocalistas, Ed Vedder e Bono Vox, respectivamente, têm um contato direto com a plateia e são politizados. Todavia, nunca vi nada igual, em meus 34 anos de shows de rock ao vivo, uma manifestação tão expressiva pela liberdade com a de Waters e seu grupo.
Roger Waters concebeu a ópera-rock ‘The Wall’, de forte caráter autobiográfico, e Alan Parker a transformou em uma animação musical em 1982, enriquecidas pelas imagens psicodélicas de Gerald Scarfe. Assisti ao filme no cinema, na década de 80, inúmeras vezes, no antigo Bristol, que ficava na Avenida Osvaldo Aranha, em Porto Alegre. Ontem, tive a oportunidade única de assistir à ópera-rock, ao vivo, no Estádio Beira-Rio, em seus 30 anos de criação.
O muro branco de espuma, que montaram à esquerda e à direita do palco, recebia projeções digitalizadas e cores as mais variadas. Se o filme já era revolucionário para a década de 80, com seu imaginário psicodélico transposto para o universo da animação, imaginem um palco gigantesco com um muro metafórico, que se metamorfoseava a todo o momento, até sua queda final.
Roger Waters conseguiu ‘atualizar’ a sua ópera-rock, indo mais longe, e transformou sua crítica pungente contra as guerras, não apenas a Segunda Grande Guerra, que sepultou seu pai, Eric F. Waters, mas criticou, através da reprodução de fichas criminais, projetadas na tela central, em forma de um Sol, as imagens de vítimas das forças opressivas de Estado, como no Irã, no Iraque, no Afeganistão e, qual não foi minha surpresa, dedicou o show à memória de Jean Charles de Menezes, jovem brasileiro morto injustamente pela Polícia inglesa, em julho de 2005. Nós, brasileiros, tivemos de engolir, um tempo depois à morte de Jean, a condecoração de bravura e serviços prestados que a Rainha outorgou ao chefe da segurança inglesa que assassinou Jean.
A família do brasileiro foi lembrada, além de Waters ter cantado uma canção que falava em Jean Charles. Isso foi admirável, uma vez que tratou de um caso genuinamente brasileiro, que repercutiu em toda a imprensa internacional, sobre os abusos de poder e as práticas policiais nos países ricos. Além disso, construiu seu libelo pela volta do contingente militar norteamericano e de países aliados, que ainda se encontra no Iraque, no momento em que na tela apareceram os dizeres “Bring the Boys”, por vários minutos.
O apoteótico final da ópera-rock, após o bombardeio de imagens coloridas e de imagens documentais de massacres, guerras e genocídios, revelou a queda do muro. Os blocos de espuma foram sendo puxados para trás do palco, criando um efeito devastador na plateia. Finalmente, o muro da alienação fora derrubado!
É isso que eu espero, como filósofa e educadora, que a alienação seja minimizada, através da educação e da informação, provinda de fontes idôneas! Para mim, foi um misto de espetáculo, arrebatamento dos sentidos e uma profunda decepção, mais uma, com a falta de informação do pessoal jovem, que, certamente, mal sabia quem fora Jean Charles de Menezes. Além disso, a organização do show deve ter deixado a todos com uma ideia bem precisa do que serão os jogos da Copa em Porto Alegre: caos total!
Para encerrar, ficou uma dúvida: por que um “javali” inflável, como recurso visual, representando a sujeira do Capitalismo, se a referência que temos é de um porco doméstico, do filme “The Wall”? E outra questão mais complicada: a comunidade judaica de Porto Alegre, na segunda-feira pela manhã, já estava comentando sobre qual o uso que Roger Waters fez da Estrela de Davi, no contexto do show. Inúmeras vezes, a estrela apareceu associada às imagens da Segunda Guerra, mas também apareceu junto às inscrições, em Português, feitas no corpo do “javali” inflável, contra o Capitalismo, que percorreu parte do estádio pelo ar.
São questionamentos que deixo aqui para os cidadãos refletirem e também darem-se conta de que a música é um dos veículos estéticos mais poderosos da comunicação em massa e é extraordinário perceber o quanto ela pode influir e transformar, se utilizada para o Bem!
Belo comentário. Me senti quase dentro do show. (Exagero, claro, mas para me dar certo conforto por não ter conseguido assistir ao espetáculo.)
ResponderExcluirQue legal, Cassionei! Sempre entro no teu blog também e pergunto por ti para a Aninha e o Fabiano. Eu acabei polemizando o show, mas, realmente, as inscrições no 'javali', contra o capitalismo, e, na mesma superfície a Estrela de Davi, deu o que falar! Penso que o Waters terá problemas em São Paulo, uma vez que a comunidade judaica de lá é imensa! Abraços!
Excluir