terça-feira, 31 de julho de 2012

SOBRE O "FAUSTO", DE MURNAU

Este pequeno comentário é do Elstor L. Petry, amigo querido de Hamburg, Alemanha, e uma pessoa muito culta. Resolvi copiar-e-colar o texto do email que recebi hoje dele, 31 de julho de 2012.



"Fausto", filme mudo de Murnau.
Friedrich Wilhelm Murnau nasceu em 28 de dezembro de 1888 em Bielefeld, na Renânia do Norte – Westfalia,  e faleceu em 11 de marco de 1931 em Santa Bárbara, nos Estados Unidos.
“Fausto”  (Faust eine Deutsche Volkssage, 1926)  foi seu último filme feito na Alemanha. Tem sua base nas obras de Marlowe, Goethe e no folclore alemão. As legendas foram escritas por Gerhart Hauptmann, já na época um renomado poeta.
O filme foi lançado quando o expressionismo alemão já se encontrava em declínio. Uma superprodução da U.F.A – Berlin, com expectativas de grande sucesso, com um enorme investimento financeiro. Foi na Alemanha, lamentavelmente, um grande fracasso, ignorado pela crítica e pelo público.  O devido valor ao filme e homenagem a Murnau foram dados somente depois da 2ª Grande Guerra.
Ele foi pioneiro na contenção imóvel da câmara, surtindo efeitos especiais, criando um clima místico, notabilizado pela estilização dos cenários, dramatização e movimentos dos personagens colocados em cena. A iluminação, a decoração, o jogo dos atores, o jogo de linhas e formas colocavam peso ao drama e aos personagens. A arquitetura do vilarejo, onde tudo acontece, com seus telhados pontudos, lado a lado para economizar o espaço do terreno. No interior delas os ambientes pequenos, apurando a claustrofobia, angustiante frustração dos personagens, profetizando a epidemia de peste negra que está ante as portas. O horror acompanha a narrativa. Encontramos elementos  do expressionismo nas cenas de ruas que exprimem angústias, as feiras que simbolizam o caos da Alemanha pós-1ª Grande Guerra, as escadas são símbolo da ânsia de se desenvolver espiritualmente e materialmente. Tanto o Fausto de Goethe como o de Murnau espelham a burguesia que surgiu com a Revolução Industrial, a decadência da aristocracia, conscientização de valores como a educação dos filhos, uma boa situação financeira e a honra pessoal.

A MORTE DE CHRIS MARKER

Texto retirado do blog "Modo de usar & Co", de 30 de julho de 2012:


SEGUNDA-FEIRA, 30 DE JULHO DE 2012


Chris Marker (1921 - 2012)



Morreu hoje o cineasta, poeta e escritor francês Chris Marker. Nascido Christian François Bouche-Villeneuve a 29 de julho de 1921, começou sua carreira na década de 40, publicando artigos e poemas na imprensa francesa. No final da década, seu único romance é lançado, Le Cœur Net (Paris: Editions du Seuil, 1949). Seu primeiro filme viria em 1952, intitulado Olympia 52, filmado nos Jogos de Inverno daquele ano em HelsinkiTornou-se mundialmente conhecido em 1962, com o filme La Jetée, que por sua vez inspiraria Terry Gilliam em seu 12 Monkeys (1995). Assim como Arthur Lipsett, já discutido aqui, o trabalho de Chris Marker é de grande interesse para o debate poético, não apenas por seus métodos compositivos no campo visual, como por sua requintada arte textual. Mostramos abaixo três importantes filmes de Chris Marker: Les Statues meurent aussi (com Alain Resnais, de 1953), em seu original francês com legendas em português; La Jetée(1962), com legendas em inglês; e o belo Sans Soleil, de 1983. Todos na íntegra.







segunda-feira, 30 de julho de 2012

PASSEIOS FINAIS E UM COMENTÁRIO SOBRE O ÚLTIMO LONGA DE LUC BESSON NO BRASIL

Fui passear hoje de manhã pela Praça Tiradentes, Gabinete Real Português de Leitura, Centro Cultural Hélio Oiticica e aproveitei para comer um 'pastel de Belém', um dos doces portugueses que mais aprecio, na Confeitaria Colombo, fundada em 1894. No início da semana, quando cheguei ao RJ, estive na confeitaria mais antiga da cidade, a Cavé, fundada em 1869, que teve à frente, até 1922, a família de Charles Cavé. À tarde, fui assistir ao sexto filme da semana carioca, uma maratona cinematográfica. Fiquei entre "Minha irmã" e "Além da liberdade", ambos em cartaz em Porto Alegre há duas semanas. Deixei-os para o fim e fiz um sorteio. Venceu o "Além da Liberdade", de Luc Besson. Fiquei, inicialmente, admirada pelo fato de ser o Besson o diretor de uma cinebiografia deste porte. Assisti, na década de 90, a cinco longas do diretor francês, como "Nikita, criada para matar", "Imensidão azul", "O quinto elemento", "Subway" e "Joana D'Arc", não sei se nesta ordem cronológica. Li sobre o filme e o enfoque que faz da ditadura sangrenta em Myanmar, ou Birmânia, que dura décadas, além de, em especial, destacar o papel importante da ativista Suu Kyi, que foi laureada com o Nobel da Paz em 1991, o que lhe rendeu visibilidade e proteção diante de sua condição de presa domiciliar pelo governo militar do país. Assisti com bastante atenção ao filme, mas não aguentei o tom excessivamente trágico da narrativa. Fiz parte da Anistia Internacional/Seção Brasil durante quase uma década, de 1991 a 2000. Portanto, acompanhei de perto, pela imprensa e pelos boletins da AI, a situação em Myanmar. Suu Kyi, personagem vivido pela atriz Michelle Yeoh (conhecida pelo longa "O Tigre e o Dragão", de 2000), no final dos 90 virara garota-propaganda dessa entidade internacional e o longa não revela esse fato, que foi determinante para que o governo militar afrouxasse em relação a algumas medidas concernentes ao partido que Kyi fundara com os líderes da resistência, à sua prisão domiciliar (que foi rigorosa durante os três primeiros anos) e às suas manifestações públicas no país. Em 2003, líderes da Anistia Internacional puderam entrar na Birmânia com visto oficial do governo militar e somente neste ano, em junho de 2012, Kyi pôde sair do país novamente, em viagem à Europa, cumprindo uma agenda iniciada em Genebra, na OIT, passando por Oslo, na sede do Prêmio Nobel, que, há 21 anos atrás, lhe outorgara o Nobel da Paz, sem condições de recebê-lo pessoalmente na época. Quem o fez foram seu marido e seus dois filhos, todos britânicos. Em Dublin, a Anistia Internacional concedeu-lhe um prêmio por sua luta pacifista em Myanmar, entregue pelas mãos de Bono Vox. Antes disso, em maio deste ano, ela assumiu, finalmente, uma cadeira no Parlamento birmanês. Em 2007, todos vimos fotos na imprensa e imagens nos noticiários da TV sobre a 'Revolução de Açafrão', iniciada por um monge, pelo término da violência no país, que acabou violentamente reprimida pelas forças militares. Assim, o que quero destacar é que não vi nesse filme os elementos políticos propriamente ditos das alianças que foram engendradas no país e que deram força à voz de Suu Kyi. Na verdade, o filme ilumina demasidamente a relação afetiva de Kyi com o marido escocês, docente da Universidade de Oxford na área de História do Tibet e da Birmânia, o que minimiza a força desta militante dos Direitos Humanos poderosa e invencível, hoje aos 66 anos. De qualquer modo, é válido conferi-lo para que se possa conhecer melhor os costumes e os aspectos dolorosos que colocaram esse país na mídia tantas vezes.
É isso! Encerrada a semana cultural no RJ! Agora, a volta ao trabalho conclama-me! Abraços a todos os meus amigos e leitores deste blog!

domingo, 29 de julho de 2012

SOBRE O LONGA "ELLES", COM JULIETTE BINOCHE

O filme "Elles", produção franco-polaco-germânica, da diretora polonesa Malgorzata Szumowska, que estreiou no RJ na metade de julho, tem como brilho a atriz francesa Juliette Binoche. Costumo assistir a tudo que Binoche faz no cinema, mesmo que o filme não seja lá muito original. No "Elles", Binoche é jornalista burguesa da Revista "Elle", que está em franco diálogo com garotas jovens, que se prostituem em Paris para levantar grana fácil, quando o filme se inicia. Uma delas é uma polonesa, há pouco na capital, que se joga na vida sem culpa. A outra, francesa legítima, parece que rende mais em suas confidências à jornalista, ao menos apontando suas diferenças com os pais, as contradições de sua vida dupla e os conflitos com o namorado, que não imagina o que ela faz nos momentos em que afirma que está trabalhando em um fast food. Não fossem apenas duas as meninas focadas nas entrevistas, talvez o roteiro do filme pudesse trazer mais substância e profundidade ao tema da prostituição. Também não se viu nada sobre o passado da polonesa e os conflitos morais, que poderiam ter surgido no processo de gravação das entrevistas. O longa tem um bom ritmo, mas, na verdade, o principal tema, também superficialmente desvelado, é a tensão que o aprofundamento da vida sexual das entrevistadas causa do cotidiano da jornalista, no convívio com o marido e seus dois filhos e o quanto uma devassa emocional vai, lentamente, corroendo aquela, iluminando sua vida tradicional e sem maiores emoções. Fui assistir a esse longa hoje, meu quinto filme no RJ, com a Dany Horta, que também o apreciou. Amanhã, assistirei ao último  dos selecionados, espero, e o comentarei aqui. Antes do filme "Elles", fomos ao Museu do Índio e à Fundação Casa de Rio Barbosa, ambos no Botafogo, onde também se encontram as principais salas de cinema de arte do RJ, providas pelo SESC. Até mais, amigos!

sábado, 28 de julho de 2012

ANTONY GORMLEY E GIACOMETTI NO RJ, TEATRO E LANÇAMENTOS NO CINEMA

(hoje meu blog completou dez mil acessos aos meus textos postados!)

Os homens de bronze de Gormley estão no RJ!!!  Hoje, o "O Globo"  publicou uma reportagem sobre a silhueta de um homem nu no topo do Edifício Cândido Mendes, defronte ao Centro Cultural Banco do Brasil, do RJ, onde a exposição, que visitei em maio em SP (confira meu comentário crítico neste blog, com quase 300 acessos), entrará aqui em cartaz em dez dias. O homem nu faz parte de uma instalação intitulada "Event Horizon", que também colocará no chão e em arranha-céus da Cidade Maravilhosa 30 homens no total, em tamanho natural e em plástico. Marcello Dantas, curador da exposição de Gormley no CCBB do RJ, já avisou o Corpo de Bombeiros do RJ, e outras divisões, que as chamadas recebidas sobre supostos 'suicidas' em prédios, no entorno do CCBB, fazem parte da estratégia de Gormley de surpreender a população - e a reação ocorreu em todas as grandes cidades do mundo pela qual a exposição "Sttil Being - Corpos Presentes" foi exibida! Também estive, pela segunda vez, visitando as peças e telas de Giacometti, agora expostas por sua fundação no Museu de Arte Moderna - MAM, no Aterro do Flamengo, do RJ. Há alguns anos eu não visitava o MAM. A última vez foi por ocasião de uma mostra das instalações de Hélio Oiticica, os Parangolés. As esculturas de Giacometti ficaram divinas nos amplos espaços das salas do MAM e uma emoção estética distinta invadiu-me quando cheguei lá, bem maior que a emoção que senti dentro da Pinacoteca do Estado de SP, em maio. Esta itinerância de grandes exposições entre SP e RJ é um alívio e um bálsamo para quem aprecia Arte, porque não podendo visitá-las em uma capital, pode-se, na outra. Na quinta à noite, fui ao teatro na companhia amorosa de minha amiga gaúcha, Daniele Horta, a Dany, que há alguns meses decidiu viver no RJ (decisão muito acertada e apoiada por mim!). Assistimos ao espetáculo "O Outro Van Gogh", com direção de Paulo de Moraes, um monólogo, a rigor, interpretado por Fernando Eiras, no auge de sua carreira teatral, que reproduz as cartas trocadas entre Theo e Vincent Van Gogh. Fiz a revisão dos originais dessas cartas, que saíram pela LePM, de Porto Alegre, há mais de 20 anos. Assim, eu tinha familiaridade com o tom e a atmosfera das missivas. Em um pequeno teatro do Botafogo, o Poeira, ao lado de outro, o Poeirinha, investimento de Marieta Severo e Andreia Beltrão, pudemos acompanhar 60 minutos de uma intensa interpretação dramática, com recursos interessantes, como a projeção de imagens no chão do espaço cênico - e não em uma tela ou na parede de fundo tradicionais! Muito legal! Por fim, tenho de comentar aqui mais dois longas, que entraram em cartaz ontem no circuito de cinemas do RJ - e que eu não poderia ir embora sem conferi-los: "O Moinho e a Cruz" ("The Mill and the Cross"), do polonês Lech Majewski, com base em uma tela de Pieter Brughel, o Velho ("Ascent to Calvary - 'Ascensão ao Calvário', de 1564, que se encontra no Kunthistorisches Museum in Vienna); e "Aqui é o meu lugar", do diretor italiano Paolo Sorrentino, inspirado no lay-out de Robert Smith, do 'The Cure', e com a trilha concebida por, nada mais, nada menos, que David Byrne, ex-Talking Heads e grande produtor musical. O primeiro, de menos de 90 minutos, é um legítimo passeio por uma seção museológica de telas flamengas. O filme é impressionante na reprodução da atmosfera do século XVI, das cores, da imagética, das texturas dos figurinos e da granulação das paisagens, sobretudo, da moral católica espanhola tiranicamente imposta a Flandres  - e a outras cidades dos Países Baixos. A violência contra a população de uma aldeia flamenga contrasta com a beleza da Natureza, dos perfis humanos, da luta pela sobrevivência no meio rural e da plasticidade que o personagem  de Hutger Hauer, na pele do pintor Pieter Brughel, o Velho (imortalizado como o caçador de 'replicantes', no filme "Blade Runner", de Ridley Scott, da década de 80) dá às suas leituras estéticas do cotidiano de sua aldeia, de seu folclore, dos movimentos das pás de um moinho e de uma passagem da via crucis, cenas flagradas pelo olhar atento de um grande pintor medieval. Há poucas falas no longa e algumas são de parte do narrador, mas, em meu ponto de vista, totalmente dispensáveis no espetáculo para os olhos e os ouvidos, que é "O Moinho e a Cruz"! Por fim, o quarto filme assistido na semana foi o "This Must be the Place" ("Aqui é o meu lugar"), título homônimo de uma canção dos Talking Heads, banda dos 80 que eu sempre apreciei e ainda a ouço, de vez em quando! O ex-cantor pop, protagonista do longa de Sorrentino, é o maravilhoso, na falta de um adjetivo mais adequado à sua interpretação, Sean Penn. Sem maiores comentários! Como não li nada antes de assisti-los, mas li duas críticas em casa, hoje à noite, no movies after, percebi que os comentadores revelam aos leitores  o 'elemento surpresa' desse filme. Eu não o farei e, por isso, termino aqui o meu toque, que não se trata de um comentário. Assistam a esse longa, porque o roteiro, a interpretação de Sean Penn e, em especial, a música de Byrne - fora uma 'pontinha' que o mesmo faz no filme -, constituem uma apetitosa escolha para aqueles que apreciam o cinema de Arte, constatando suas intertextualidades com os trabalhos de Win Winders e dos irmãos Cohen!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

MÚSICA DE PRIMEIRA DA GALERA DO RIO DE JANEIRO

Continuo no RJ. Como sempre leio o JB online e, sempre que posso, compro "O Globo" impresso; assim, posso dizer que me sinto bem-informada acerca da produção musical carioca. Em 2009, o Qinho lançou seu primeiro CD, "Candura", pelo selo Bolacha Discos. Hoje comprei seu segundo álbum, "O Tempo Soa", produzido e distribuído pelo selo Oi Música, com ilustres participações como a da Mart'nália. Falando nela, seu novo álbum, "Tente Compreender", não é de samba, não, é de música alternativa. O Moska comentou em seu show no Teatro Net, na quarta à noite, que o CD dela está lindo e que teve a produção de Djavan. Nele figura uma bela canção do Moska, na primeira faixa, a "Namora Comigo". Vale a pena conferi-lo! Também comprei, finalmente, o segundo CD do Criolo, ex-Criolo Louco, que a galera daqui adora, o "Nó na Orelha", de 2011. É meio complicado encontrar esses caras aqui (imaginem no Sul!)! Tive de passar por várias lojas de CDs, já que a Modern Sound não existe mais em Copa. Que perda para todos que apreciam boa música - e uma loja à altura! Por fim, fui atrás do tal Cícero, que zoou muito pelo Facebook, até virar celebridade no Botafogo - e na cidade toda. Em tempo recorde, cem mil cópias de seu CD, "Canções de Apartamento", foram baixadas pela WEB. Daí, ele virou pop, mudou-se para um apartamento maior, vai cantar no Circo Voador no sábado e, lamento, é impossível de encontrar seu álbum para compra. Para terminar, ainda indico os últimos álbuns da Céu e da Adriana Calcanhoto. Fica meu toque! Abração a todos da Cidade Maravilhosa, aos 30 graus em julho!

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A VERSÃO DE "FAUSTO", DE GOETHE, PELA LENTE DE SOKUROV

Estou no Rio de Janeiro de férias!!!! É a terceira vez no ano que venho para cá, agora Cidade Patrimônio Universal da Humanidade, decretada pela UNESCO na semana retrasada! Belíssima cidade, mesmo no inverno, com céu nublado, mas temperatura elevada para a estação. Já fui ao cinema, claro, hoje à tarde! Selecionei em primeiro lugar o que mais eu desejava conferir: "Fausto" (2011), de Aleksandr Sokurov, o grande diretor russo, que arrebatou o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2011, mais conhecido no Brasil pelo longa "A arca russa". O "Fausto" é forte, sombrio e perturbador - falado em Alemão! Esse filme encerra a chamada tetralogia sobre a ilusão do poder, iniciada por Sokurov com "Moloch", de 1999, sobre  Hitler; "Taurus", de 2000, sobre Lênin; e "O Sol", de 2005, sobre Hirohito, o imperador japonês envolvido no episódio da Segunda Grande Guerra. Tive a oportunidade de assistir em DVD aos primeiro e terceiro filmes da tetralogia. O segundo, sobre Lênin, não o encontrei ainda para compra. Conheço três versões do mito medieval de Fausto: O poema épico de Goethe, em duas partes; os monólogos que constituem o "Fausto", de Fernando Pessoa; e o romance "Dr. Fausto", de Thomas Mann, dedicado ao compositor dodecafônico Arnold Schoenberg. O que mais se afasta da essência do escrito anônimo de 1587, intitulado "Faust", é a obra de Pessoa. É interessante conhecer a natureza das versões literárias para compreender a construção do roteiro do filme de Sokurov, que se inspirou diretamente nos dois volumes de Goethe. O roteiro foi escrito por Aleksandr Sokurov, Marina Koreneva e Yuri Arabov. A trilha do longa foi assinada por Andrei Sigle, colaborador em outros longas de Sukorov. O perturbador dessa versão faústica é Mefistófeles ser transformado em um bizarro 'clown', não obstante nos remeter à versão expressionista de Murnau, datada da década de 20. Amanhã, dia 25 de julho, visitarei a exposição de ilustrações de Salvador Dalí para a "Divina Comédia", de Dante Alighieri, na Caixa Cultural; irei pela segunda vez visitar as telas e esculturas de Giacometti, agora instaladas no MAM, de Assis Chateaubriand; e, à noite, com ingresso já comprado, irei ao show de Paulinho Moska, feliz e bem-vinda casualidade nestes dias quentes de inverno em que me encontro na Cidade Maravilhosa! Acompanhem, amigos, os próximos posts. Abraço carinhoso!


terça-feira, 17 de julho de 2012

AUTOFICÇÃO E 'SECOND SELF' EM "O MAPA E O TERRITÓRIO", DE MICHEL HOUELLEBECQ

Terminei de ler há pouco a novela "O Mapa e o Território", de Michel Thomas, mais conhecido no mundo literário por seu pseudônimo, Michel Houellebecq, premiado com o Prêmio Goncourt na França, em 2010. Não pude aguardar para comentar as minhas impressões. Desde que fui presenteada, em abril de 2009, com o romance "Partículas Elementares", do mesmo autor, no qual o personagem principal também é batizado Michel, pesquisador das Ciências Naturais, incapaz de administrar sua vida sensível, no sentido platônico, fiquei intrigada com a narrativa ficcional desse autor francês. Fui atrás, então, do romance "Plataforma", publicado pouco antes do 11 de setembro de 2001. Nessa época, dois meses antes da data fatídica, estive em NY e fui a várias livrarias, checando o que  figurava na lista dos best sellers de lá. Era o início da era "Harry Potter" e entre corujas e livros de bruxaria cheguei a ver o tal Houellebecq, mas não me chamou a atenção naquele momento. O mesmo Michel de "Partículas Elementares", entediado com sua vida e cético com o mundo dos homens faz um composé com o personagem principal de "O Mapa e o Território", Jed Martin, fotógrafo e artista plástico, que nos arremessa no universo do comércio da Arte, do ti-ti-ti dos críticos e jornalistas e da luta de foice dos galeristas. Ambos, Michel e Jed passeiam pelos supermercados em uma espécie de inércia de traço depressivo, que denota o desencantamento do mundo, o arrefecimento das relações intersubjetivas e o patológico magnetismo pelos produtos de consumo imediato dos personagens. Em que pese o tom ácido dos críticos em relação à obra de Houellebecq, e sua acusação de erigir uma teia ficcional insuflada pelo parti pris, a ponto de ser taxado por alguns de misógino, antissemita, reacionário e discriminatório, de um modo geral, o tipo de choque que os três romances que li me causaram assemelha-se ao produzido pela obra de Céline, particularmente, pelo cáustico "Viagem ao fim da noite", de 1932. Há certas passagens clássicas de "O Mapa e o Território" que afastam o livro da purgação de "Viagem..." e o aproximam dos "Ensaios", de Michel de Montaigne, outro Michel, sinalizando a dúvida e a atmosfera cética como o leitmotiv da criação literária de Houellebecq. Esses dois 'Michel' nasceram no mês de fevereiro e têm vários pontos em comum no sentido de retratarem com rigor e cor a natureza humana. Pode parecer bizantino de minha parte querer implicar com a crítica literária do mainstream, todavia tem fundamento retroceder ao século XVI para encontrar base argumentativa em uma tradição literária fundada por Montaigne, como os conselhos, as ponderações e o olhar humanista. Há uma passagem que me deixou pensativa, à página 164, de "O Mapa e o Território", que vale resgatar aqui. Jed conversa com o 'duplo', o próprio Houellebecq, que está sendo contratado para escrever o texto estético do catálogo da próxima exposição dali a alguns meses. Ao mesmo tempo, Jed o convence de permitir que seu retrato a óleo conste na mostra, além de ser um presente irrecusável - do artista  para o escritor. Ao final do livro, o leitor fica sabendo que essa tela chegou ao recorde de 750 mil euros. Então, a passagem é a seguinte: "(...) O que é curioso, fique sabendo (...) de um retratista se espera que enfatize a singularidade do modelo, o que faz dele um ser humano único. E é o que faço, em certo sentido, mas, de outro ponto de vista, tenho a impressão de que as pessoas se parecem muito mais do que se diz por aí, sobretudo quando faço as junções, os maxilares, tenho a impressão de repetir os motivos de um quebra-cabeça" (...). Por fim, após comprar mais de 150 guias da editora Michelin,  nosso herói concebe uma exposição a partir das ampliações de mapas e com fotos de satélite imprime os territórios sobre as esquadrias dos mesmos. Genial esta ideia para quem é escritor e não artista visual, plástico ou fotógrafo. Há um trecho em que Jed afirma que os territórios são mais importantes que os mapas. O que ele quis dizer com isso? Parece-me uma posição mais metafísica que estética! A minúcia da descrição das obras fez-me passear no vernissage com os convidados da imprensa e do mercado de arte, esbarrar em Jed, meio gauche e egoesclerosado, apreciando suas próprias fotografias, e projetar em mim o que teria sido uma fruição estética da obra ou do artista, que, na verdade, despediu-se da existência  à qual  "nunca aderira totalmente" (p. 396). Se o personagem Jed não fosse depressivo e apático - mas tivesse o perfil e a garra de um Weiwei, o artista chinês que concebeu o Ninho de Pássaros das Olimpíadas de Pequim e que, mesmo em prisão domiciliar, denuncia os abusos do Governo chinês e prepara uma belíssima instalação no Hyde Park para as Olimpíadas de Londres, que se iniciam em 25 de julho -, o final do livro teria sido bem outro!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

ARTE E CULTURA: MÚSICA E CINEMA EM PORTO ALEGRE

Estive em Porto Alegre neste final de semana, de 13 a 15 de julho de 2012. Cheguei na sexta à tarde. À noite, estava agendada a ida ao Café Fon Fon, do Luizinho Santos e da Beth Krieger. Cheguei cedo porque eu havia reservado duas mesas com 12 lugares ao todo. Era o aniversário da Ewelin Canizares e havia um forte motivo para ela sair de casa com a família. Alguns amigos meus também apareceram e felicitaram-me pelo meu aniversário no dia 5. Estávamos ali em três cancerianos, incluindo o Zé Eckert, que havia aniversariado em 1º de julho. Ganhei vários mimos, destacando o segundo CD da banda do Luizinho Santos. Já o ouvi aqui em casa. Samba-jazz seria a categoria mais adequada para a criação musical dele. Muito bom!
Após o show do quarteto do Café Fon Fon, fomos para o Dhomba ouvir duas bandas de hardcore. Uma delas era a excelente Campbell Trio, que abriu o show da Dead Fish, no Opinião, há uns 15 dias atrás. Era o Dia Mundial do Rock e o ingrediente não podia faltar.
No sábado, assisti a dois longas: "On the Road/Na estrada" (2012), de Walter Salles, e "Para Roma, com amor", de Woody Allen (2012). O primeiro decepcionou-me! Minha filha, sentada ao meu lado, fazia caretas, mas respeitosamente acompanhou-me até o final.  Observei que seis pessoas retiraram-se da sala quando passavam 60 minutos de exibição. Li o cult  "On the road", de Jack Kerouac, em tenra idade e não o reli nunca mais, tal o frisson paradigmático que a leitura me causou. Li outras obras dos 'beats' no início dos 80 e, por isso, esperava mais desse longa, que possui, todavia, belas imagens de um 'road movie', e uma trilha condizente com o bebop  fundado no Harlem, em NY, por Charlie Parker e Dizzi Gillespie. O "bebop", como uma das vertentes do jazz, é uma onomatopeia, na verdade, que reproduzia o som metálico das marteladas dos trabalhadores nas ferrovias em construção. Quem quiser conhecer mais a fundo esse gênero e também saber um pouco da vida desses grandes músicos no período pós-crack da bolsa e pós-segunda guerra, deve assistir ao magistral documentário de Ken Burns, com 12 DVDs, que inclui duas mil fotos e 498 temas de jazz. Fantástico!
Há bons atores no "Na Estrada", com exceção, sinto comentar, de Kristen Stewart. Não assisti a nada que lembre a 'saga de Crepúsculo', mas não me desvencilhei do estigma que essa atriz carrega consigo. Prefiro, obviamente, a Kirsten Dunst e a nossa Alice Braga, que faz uma significativa ponta no filme. Quanto aos personagens masculinos, Garrett Hedlund (Dean) e Sam Riley (Sal, o próprio Kerouac), saíram-se bem: um como o dionisíaco e belo sedutor, Dean; o outro, aspirante a escritor, após ter perdido o pai, percorre sem rumo a Rota 66 com o amigo. Esse é Sal. Ainda participa do filme o ator  Viggo Mortensen, como Old Bull Lee, um cara solitário, que recebe os garotos em uma cena. Vale conferir, mas... eu avisei!
Sobre o longa do Woody Allen, o segundo da trilogia, dedicado a Roma, não o comentarei. Depois de ter lido a crônica puxa-saco da Martha Medeiros no "O Globo" de hoje, que deve ser o mesmo que figura na "ZH" dominical (que não leio), eu desisti. I gave up! O Allen já foi um dos grandes mestres do cinema, de quem recordo com carinho, quando o mesmo ainda fazia um cinema metafísico e singular, tendo em vista sua condição judaica. Hoje, seu cinema é histriônico e bom para os olhos apenas! Quem quiser rir ou rever lugarejos visitados em Roma, que vá!

sábado, 7 de julho de 2012

SOBRE O AMOR, A AMIZADE E OUTRAS FILIGRANAS

(Alcançando hoje 9 mil acessos aos meus textos do blog!)

"De todos os defeitos de caráter, a meu ver, o pior deles é a avareza ou usura. É o único que, verdadeiramente, me dá nojo!" (Alma Welt)

Lísias, no diálogo homônimo de Platão, comenta, em determinado momento da discussão sobre o amor, que "não se deve prestar favores a quem se ama". Eu já havia lido algo semelhante em outro diálogo platônico, mas, devo admitir, que não conhecia o texto "Lísias", que procurei e encontrei para o Fabiano Felten, que está com sua dissertação de mestrado em andamento e necessitado dessa obra para suas reflexões. Sou uma pessoa de bom coração e generosa, embora cética e agnóstica, mas não aprendi com meus relacionamentos anteriores e não aprendo, não consigo aprender mesmo. Continuo me doando, colaborando, amparando, correndo atrás e não meço esforços para ajudar meus amigos e a quem amo. O problema são as decepções subsequentes de parte dos que não nos valorizam, dos que usurpam o nosso nome, dos que não têm moral conosco, que se lixam para a vida alheia. Fiz 51 anos nesta semana e tive muitas alegrias com os meus verdadeiros amigos, os que estão próximos e os distantes. Laços de amizade e laços de Amor, em meu entendimento, construídos reciprocamente, têm uma representação semelhante a uma casa de joão-de-barro, cuja construção testemunho há três meses no alpendre de minha janela do quarto: o macho e a fêmea, juntos, sempre juntos, trabalham sem cessar, mas é preciso que haja chuva e condições metereológicas favoráveis para que eles possam deslocar terra molhada para o projeto de lar. Um relacionamento desafortunado é aquele de uma só via, unilateral, em que apenas um se doa, um só cultiva, um só cuida e apenas um antevê o futuro. Isso pode ocorrer em relações amorosas e de amizade, porque o Amor é um só e ele encarna entre amigos e entre amantes. A forma de modulá-lo e a produção de linguagem que cada caso exige fica por conta dos agentes envolvidos. Sou uma Amiga, com maiúscula, que fala em Amor e que age com Amor. Nesta semana, ouvi de vários de meus amigos mais antigos que eles me amam. Do mesmo modo, respondi-lhes com a mesma matéria-prima e, mais uma vez, confirmei que também lhes dedico Amor: validação de afetos! Pode parecer piegas este meu texto de hoje; todavia, é preciso que se produza linguagem sobre isso e que ela  mesma exorcize as mágoas e decepções que trazemos dentro de nós, para que novas pessoas sejam abençoadas pela nossa existência - única e insubstituível! Nada externo a nós pode nos ajudar, nada externo pode amenizar a violência de nossa tristeza e desesperança, senão o fizermos por nós mesmos, com uma força interna sublime e ancestral. Homo homini lupus, aquele que é o meu Lobo, que é o teu também, quem sabe, que aprenda a ser melhor pessoa, a cultivar amigos verdadeiros e a doar-se também! 

terça-feira, 3 de julho de 2012

"PARIS: A FESTA CONTINUOU", LIVRO DE ALAN RIDING, PUBLICADO NO BRASIL EM 2012

(texto revisado)
Terminei em junho a leitura do livro de Alan Riding, jornalista inglês, filho de brasileiros, mas residente em Paris. O Diário Regional de Santa Cruz do Sul publicou uma entrevista com o autor na semana passada. Pelo título, que faz alusão à obra de Hemingway, Paris é uma festa, não se tem muita certeza do conteúdo do texto. Todavia, através do subtítulo, "a vida cultural durante a ocupação nazista, 1940-44" já se antevê que há resultados de pesquisa documental e de entrevistas acerca de que vida cultural era possível desenvolver e desfrutar durante a permanência dos nazistas na França, quando da vigência do Estatuto Judaico, promulgado em outubro de 1940, que proibia que judeus trabalhassem na indústria cinematográfica, por exemplo. O livro contém uma tese, a de que a maior parte dos intelectuais e artistas, que alegaram, após a libertação de Paris, participar da Resistência Francesa, a rigor, não participaram do movimento, sequer das operações de salvamento, de sabotagem e de espionagem. Lendo o livro de Riding, um apaixonado pelo período da ocupação de Paris, fiquei enojada com a posição antissemita de artistas e escritores renomados mundialmente. O historiador Philippe Ariès, na época simpatizante do Action Française, um dos bizarros grupos fascistas da França, teria dito ao colega de área Jean-Louis Crémieux-Brillac, ligado a um grupo de esquerda da Sorbonne, que ele era "capaz de identificar um judeu pelo cheiro!". O fundamentalismo e o antissemitismo é que têm um cheiro fétido, em meu entendimento. Lamentável o comentário de Ariès. Céline, médico e escritor, autor dos maravilhosos livros Viagem ao fim da noite e Morte a crédito, que povoaram a minha juventude de imagens sórdidas, era, sim, discaradamente, um colaboracionista, transformando sua voz em "uma metralhadora antissemita" (p. 35) assim que retornou de uma viagem à União Soviética em 1936. Foi aí que ele aderiu ao fascismo. André Gide reagiu com incredulidade ao ler os panfletos que Céline começou a publicar na França, de caráter altamente discriminatório. O mesmo Gide também descreveu a perseguição aos estrangeiros como um "espetáculo estarrecedor, assinalando que o comportamento da França era imoral" (p. 45). Heinrich Mann, o irmão de Thomas Mann, judeus alemães, foi enviado para o campo de concentração francês Le Vernet, conhecido como o mais violento de todos, no qual os prisioneiros passavam fome e eram tratados de modo bárbaro. Koestler, em suas memórias, descreveu os tormentos passados em Le Vernet, em um livro intitulado Escória da terra. André Malraux foi ferido e capturado, mas conseguiu escapar dos alemães. Louis Aragon recebeu quatro medalhas por bravura e também escapou de ser capturado pelos alemães. A Luftwaffe conquistou a supremacia no espaço aéreo e Saint-Exupéry perdeu vários pilotos de sua esquadrilha. A ocupação de Paris ocorreu silenciosamente e a capital perdeu 60% de sua população. O chefe de Estado francês Pétain dirigiu-se à nação pelo rádio e sugeriu que a derrota francesa, contra a Alemanha, era culpa dos próprios franceses, que foram negligentes. Daí, instalou seu governo em Vichy, uma estância termal no centro da França, nomeou Laval como seu vice e abdicou do lema "Liberdade, igualdade e fraternidade" para adotar a cruzada fascista "Trabalho, família e pátria" (p. 67). Hitler, em sua única visita à cidade-luz, em 23 de junho de 1940, encontrou uma capital vazia. Encantou-se com a Ópera de Paris e por três horas passeou, acompanhado de Albert Speer, seu principal arquiteto, e de Arno Brecker, seu escultor favorito, por uma Paris vazia e silenciosa. Também visitou a Catedral de Notre-Dame, o Panthéon e a tumba de Napoleão em Les Invalides. Há, enfim, passagens muito interessantes no livro de Riding sobre o sequestro de obras de arte da França e sobre seu salvamento e saída de território francês, por força do trabalho bem-articulado da Resistência Francesa. Por fim, a parte da obra que mais me cativou foi quando Alan Riding começa a descrever as restrições ao trabalho dos judeus na França ocupada, especialmente em Paris,  no segmento do cinema. O poeta Jacques Prévert teria alertado um ex-produtor de um estúdio cinematográfico de Berlin, enviado pelo Partido Nazista a Paris, Alfred Greven, que sua causa era perdida porque "não se pode filmar sem eles (os judeus). Veja Hollywood!" (p. 227). Os judeus representavam cerca de nove mil trabalhadores na indústria cinematográfica dos 60 mil envolvidos na época. Greven acabou contratando um roteirista judeu, de sobrenome Dreyfus, para escrever roteiros para quatro filmes de sua empresa, a Continental Films, que produziu onze longas em 1941 (p. 229). Pensando em meus antigos amigos judeus, amizades bem antigas travadas em Porto Alegre, tenho a certeza de que eu não teria a formação intelectual que tenho não fossem os textos, os comentários literários, as indicações de filmes e as idas a concertos com meus amigos de origem judaica. Seu universo cultural fez diferença em minha vida. Leiam o livro e regozijem-se! Um bom presente para o  Dia do Amigo ou Dia dos Pais.

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