Terminei de ler há pouco a novela "O Mapa e o Território", de Michel Thomas, mais conhecido no mundo literário por seu pseudônimo, Michel Houellebecq, premiado com o Prêmio Goncourt na França, em 2010. Não pude aguardar para comentar as minhas impressões. Desde que fui presenteada, em abril de 2009, com o romance "Partículas Elementares", do mesmo autor, no qual o personagem principal também é batizado Michel, pesquisador das Ciências Naturais, incapaz de administrar sua vida sensível, no sentido platônico, fiquei intrigada com a narrativa ficcional desse autor francês. Fui atrás, então, do romance "Plataforma", publicado pouco antes do 11 de setembro de 2001. Nessa época, dois meses antes da data fatídica, estive em NY e fui a várias livrarias, checando o que figurava na lista dos best sellers de lá. Era o início da era "Harry Potter" e entre corujas e livros de bruxaria cheguei a ver o tal Houellebecq, mas não me chamou a atenção naquele momento. O mesmo Michel de "Partículas Elementares", entediado com sua vida e cético com o mundo dos homens faz um composé com o personagem principal de "O Mapa e o Território", Jed Martin, fotógrafo e artista plástico, que nos arremessa no universo do comércio da Arte, do ti-ti-ti dos críticos e jornalistas e da luta de foice dos galeristas. Ambos, Michel e Jed passeiam pelos supermercados em uma espécie de inércia de traço depressivo, que denota o desencantamento do mundo, o arrefecimento das relações intersubjetivas e o patológico magnetismo pelos produtos de consumo imediato dos personagens. Em que pese o tom ácido dos críticos em relação à obra de Houellebecq, e sua acusação de erigir uma teia ficcional insuflada pelo parti pris, a ponto de ser taxado por alguns de misógino, antissemita, reacionário e discriminatório, de um modo geral, o tipo de choque que os três romances que li me causaram assemelha-se ao produzido pela obra de Céline, particularmente, pelo cáustico "Viagem ao fim da noite", de 1932. Há certas passagens clássicas de "O Mapa e o Território" que afastam o livro da purgação de "Viagem..." e o aproximam dos "Ensaios", de Michel de Montaigne, outro Michel, sinalizando a dúvida e a atmosfera cética como o leitmotiv da criação literária de Houellebecq. Esses dois 'Michel' nasceram no mês de fevereiro e têm vários pontos em comum no sentido de retratarem com rigor e cor a natureza humana. Pode parecer bizantino de minha parte querer implicar com a crítica literária do mainstream, todavia tem fundamento retroceder ao século XVI para encontrar base argumentativa em uma tradição literária fundada por Montaigne, como os conselhos, as ponderações e o olhar humanista. Há uma passagem que me deixou pensativa, à página 164, de "O Mapa e o Território", que vale resgatar aqui. Jed conversa com o 'duplo', o próprio Houellebecq, que está sendo contratado para escrever o texto estético do catálogo da próxima exposição dali a alguns meses. Ao mesmo tempo, Jed o convence de permitir que seu retrato a óleo conste na mostra, além de ser um presente irrecusável - do artista para o escritor. Ao final do livro, o leitor fica sabendo que essa tela chegou ao recorde de 750 mil euros. Então, a passagem é a seguinte: "(...) O que é curioso, fique sabendo (...) de um retratista se espera que enfatize a singularidade do modelo, o que faz dele um ser humano único. E é o que faço, em certo sentido, mas, de outro ponto de vista, tenho a impressão de que as pessoas se parecem muito mais do que se diz por aí, sobretudo quando faço as junções, os maxilares, tenho a impressão de repetir os motivos de um quebra-cabeça" (...). Por fim, após comprar mais de 150 guias da editora Michelin, nosso herói concebe uma exposição a partir das ampliações de mapas e com fotos de satélite imprime os territórios sobre as esquadrias dos mesmos. Genial esta ideia para quem é escritor e não artista visual, plástico ou fotógrafo. Há um trecho em que Jed afirma que os territórios são mais importantes que os mapas. O que ele quis dizer com isso? Parece-me uma posição mais metafísica que estética! A minúcia da descrição das obras fez-me passear no vernissage com os convidados da imprensa e do mercado de arte, esbarrar em Jed, meio gauche e egoesclerosado, apreciando suas próprias fotografias, e projetar em mim o que teria sido uma fruição estética da obra ou do artista, que, na verdade, despediu-se da existência à qual "nunca aderira totalmente" (p. 396). Se o personagem Jed não fosse depressivo e apático - mas tivesse o perfil e a garra de um Weiwei, o artista chinês que concebeu o Ninho de Pássaros das Olimpíadas de Pequim e que, mesmo em prisão domiciliar, denuncia os abusos do Governo chinês e prepara uma belíssima instalação no Hyde Park para as Olimpíadas de Londres, que se iniciam em 25 de julho -, o final do livro teria sido bem outro!
A autoficção é um tema em que andei também me debruçando em um ensaio para o mestrado, mas foi sobre Vila-Matas. Ainda não li esse do MH. Confesso que o Juremir, de tanto falar que o MH é o melhor, e que os outros não valem nada, acaba me afastando do autor.
ResponderExcluirAbraço
Independente do Juremir, que ama a todos os artistas/escritores franceses sem muitos critérios, o Houellebecq é muito interessante e polêmico! Tens de ler o "Partículas Elementares" antes e assistir ao filme homônimo, cujo roteiro é inspirado no livro. Abraços!
ResponderExcluir(Respondi teu post lá no meu blog.)
ResponderExcluirJá li o "Partículas", "Plataforma" e mais um de crônicas, numa versão em espanhol.
(Enviado por e-mail)
ExcluirRo! Gosto muito de ler os comentários e artigos que postas em teu blog. Além do caráter informativo, fascina-me teu vocabulário que é muito rico. É um prazer poder ler algo em lingua portuguesa, com a constucao correta das frazes. Em cada leitura aprendo algo de novo. Ro, prima querida, é tao bom ter tua amizade.
Carinhoso abraco
Elstor (Hamburg/Alemanha)